Donna ainda caminhava sem rumo. Cada lembrança que tinha dos anos ao lado de Mark doíam e apertavam seu peito. Tantos anos aceitando-o como uma pessoa boa, uma pessoa que lhe fazia bem, que a protegia, que dizia que faria de tudo por ela. E realmente, ele fez de tudo. Casa, roupas, sapatos, fazia todos seus gostos, nunca deixou faltar nada, ela acreditava que isso realmente era "cuidar". Todos aqueles acessos de raiva que ele teve no primeiro ano de relacionamento, haviam diminuído, mas a desconfiança dele nunca acabou, ela nunca pode sair sozinha, ou falar com alguém sem que ele estivesse por perto. Achava tudo normal, excesso de proteção? Talvez?! Mas nunca o contradisse, apenas aceitava. Talvez por tudo o que aconteceu com sua família, ela se sentia na obrigação de que as coisas com Mark deveriam dar certo, elas precisavam dar certo.
Mas depois daquela última discussão que tiveram, e depois de tudo o que ela vinha passando emocionalmente, era como se uma luz acendesse sobre sua cabeça, tudo estava clareando. Você não sabe ou percebe que está em um relacionamento tóxico e abusivo até ver que não merece aquilo, você vai ao fundo do poço, ou até mais baixo, para descobrir que não merece ser tratada daquela forma.
Mark mascarava suas atitudes com gestos afetuosos de carinho, sempre pedindo desculpas por algo, dando-lhe flores, vinhos, chocolates, mas sempre depois de dizer que "a desculpava por algo", nunca era culpa dele, Donna sempre estava errada, ela sempre fora a causa dos surtos de ignorância dele, sempre ela que provocava, ou "dava corda" as pessoas. Mas ela não conseguia enxergar isso, era como se tudo fosse a coisa mais certa do mundo. Na sua cabeça, ele era seu protetor, a pessoa com quem ela deveria casar, ter filhos, ela só precisaria dele, então ficar afastada de tudo e todos era "normal". Mark a forçou a viver em uma bolha de confinamento, sem que ela percebesse, ou até mesmo tivesse tempo de reagir a algo. Praticamente três anos vivendo assim, era muito para ela.
Continuava caminhando, e os pensamentos e memórias vinham com toda a força, ela acreditaria que a qualquer momento ela iria cair, onde quer que estivesse, ela praticamente conseguia sentir uma dor física com todas as constatações que aquela última briga estavam levando-a a fazer. Em certo momento parou em uma praça, sentou-se e agora, de fato, deixava as lágrimas rolarem. Sentia-se culpada, usada, ingênua, manipulada, tudo aquilo que antes era um sentimento bom dentro de si, tornou-se algo ruim, não sentia ódio, não achava que era capaz. Ódio é o oposto de amor, demonstraria que ela ainda sentia algo por ele. Com certeza não era ódio. Indiferença. Isso. Indiferença era o que ela estava sentindo por ele naquele momento.
....
Quando ela conseguiu se acalmar mais, se deu conta de onde estava. Quase que instantaneamente, um sorriso lhe veio aos lábios. Harvey. Era o mesmo parque que ele tinha a levado na noite anterior. Uma sensação de tranquilidade lhe invadiu, nem ela mesma conseguiria descrever como ela foi de uma dor absurda, a um ponto de paz instantâneo. A simples menção do nome dele era reconfortante. Não sabia como aquilo era possível, ela só o conhecia a um dia, achava até que era loucura, talvez sua mente lhe pregando uma peça, mas estar com ele era bom, não tinha peso, era leve, a conexão foi instantânea, não tinha haver com o tempo, era algo mais profundo. Mas ainda sim, ela sentia receio do que estava sentindo, ou começando a sentir por ele, provavelmente por toda a confusão que estava sua vida, sua mente, talvez não tivesse sido a hora certa para se conhecerem, mas ao mesmo tempo que essa sensação de dúvida lhe encontrava, a calmaria de um sentimento bom a invadia.
Levantou-se do banco em que havia sentado, deu uma olhada em volta e avistou uma Starbucks. Entrou e fez seu pedido. Saiu de lá e pegou um táxi. Depois de alguns minutos, se viu parada em frente a firma que Harvey trabalhava. Nem ela mesma estava planejando aquilo, agiu por impulso e agora queria desistir. Ficou algum tempo parada em frente ao prédio, se perguntando se deveria ou não subir. Acabou-o fazendo. Quando se deu conta, já estava no 50° andar. Ficou surpresa com o andar, a iluminação natural dava um ar aconchegante ao local, as salas todas em vidro, ficou admirando tudo ali, se imaginou trabalhando ali junto com aquelas pessoas. Talvez como recepcionista, ou algo do tipo, mas era um lugar agradável de se trabalhar. Foi até a recepção pedir informações.