Onça IV

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- Agora que você aprendeu a ler não para mais, hein? Já é o terceiro dia seguido que eu te vejo com esse livrinho! - A irmã mais velha diz encostada no batente da porta.

- É que eu gostei da história. Problema? - se irrita a mais nova.

- Nenhum! Pode continuar lendo a vontade! Assim você para de me encher o saco, sua irritante.

- Você que é, sua chata!

- Ah, volta pro seu livrinho, vai! Qual é mesmo o nome?

- É "A princesa e o sapo".

- Se eu fosse você, leria "Cinderela" depois desse. Eu tenho e se quiser te empresto - diz deixando a irmãzinha em paz.

Elas costumavam se irritar e brigavam bastante, mas se amavam muito também.

Elas costumavam se irritar e brigavam bastante, mas se amavam muito também

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Na semana seguinte era férias, então a família decidiu ir ao zoológico. Uma ideia que surpreendentemente agradou tanto Rebeca quanto Adriana. Só as duas sabiam que na verdade, estavam indo para lá apenas porque Rebeca queria provar para a irmã mais velha que botos-cor-de-rosa existiam.

Claro que Adriana sabia que existiam, mas disse o contrário para a irmã pois sabia que o poder de persuasão dela era bem mais eficaz e sabia que ir a algum lugar contra a vontade de Rebeca era insuportável. Então, deixou Rebeca encucada com uma suposta inexistência dos botos-cor-de-rosa, o que levou a menia a chorar para os pais dizendo que precisava ver um de perto e eles acabaram cedendo. No fim o plano deu certo.

O zoológico era um lugar legal. Tinha ambientes que imitavam os habitats naturais dos animais. Tinha aquários enormes para os peixes, algumas árvores baixas num terreno de areia para a girafa e para a zebra, bastante gelo para os pinguins, e um lago para cágados e jabutis.

Nesse mesmo lago tinha um sapo e ele estava cantando. Parecia que ninguém notara o sapo cantante a não ser Rebeca, que chegou mais perto para ouvir.

"Olha que coisa mais linda
Mais cheia de graça
É ela, menina
Que vem e que passa
Num doce balanço
A caminho do mar"

Acendeu uma lâmpada a cima da cabeça da menina. Ela já tinha ouvido a avó cantando essa música enquanto lavava louça, várias vezes, então já sabia a letra inteira. Rebeca se animou e correu até a grade que cercava o lago para cantar junto. Ela sempre amou cantar.

"Moça do corpo dourado
Do sol de Ipanema
O seu balançado é mais que um poema
É a coisa mais linda que eu já vi passar"

Então o sapo apontou para si mesmo, deixando claro que só ele ia cantar a próxima parte.

"Ah, por que estou tão sozinho?
Ah, por que tudo é tão triste?
Ah, a beleza que existe"

Então ele apontou para Rebeca, indicando que era a vez dela cantar sozinha. E ela cantou afinadíssima.

"A beleza que não é só minha
Que também passa sozinha"

O sapo a aplaudiu animadamente e a menina riu. Ele tinha pinta de cantor, abria bem a boca para sair melhor a voz e levantava a mão como se cantasse para a menina, ela, sambava ao som de um pandeiro imaginário.

"Ah, se ela soubesse
Que quando ela passa
O mundo inteiri(...)"

- Rebeca! - gritou Adriana puxando a irmã de volta para o caminho - Que susto, menina! Você não pode sumir assim não, sabia?!

O sapo continuou cantando com calma enquanto Adriana continuava surtando, não deixando nada interromper sua música.

"(...) se enche de graça
E fica mais lindo
Por causa do amor"

- Mas o sapo cantou pra mim!

- Ah, que doideira!

Rebeca olhou para o sapo uma última vez, a tempo de vê-lo acenando para ela, que acenou de volta. Adriana, por uma breve curiosidade, também olhou para o sapo, e o viu reverenciar a irmã.

Adriana ficou muito encucada com a cena. Maquinou aquilo por horas, dias, até se convencer de que o sapo realmente tinha cantado. Já Rebeca, ficou triste num primeiro momento, mas logo se distraiu com o boto-cor-de-rosa.

Hoje, 23 anos após o ocorrido, Rebeca ainda ama cantar e isso já lhe rendeu algumas broncas de seu chefe

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Hoje, 23 anos após o ocorrido, Rebeca ainda ama cantar e isso já lhe rendeu algumas broncas de seu chefe. Ela trabalha num escritório chato, todo fechado, onde nem vê o sol passar pela cidade. Ela não se lembra nem daquela ida ao zoológico.

Já Adriana, é casada, tem um filho, mora em um apartamentinho perto do centro da cidade e trabalha em uma papelaria num shopping. É feliz assim. Ela se lembra do sapo cantante.

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