entre o fim e o fracasso

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     Você consegue imaginar o fim do mundo?

     Aqueles pensamentos mais clandestinos, mostrando tudo o que há de ruim nessa vida.

     Seus piores pesadelos, pessoas e lugares. Uma comida amarga, uma fala rude. Desamparo e acidez. Um grito que rasgue a garganta, corroendo seu interior.

     Sem precisar falar o que ou como, você imaginou. Imaginou tudo o que contribui pro mundo desmoronar num mísero estalo. Harry também pensou nisso. Muitas e muitas vezes.

     O garoto gritava, mas nada saía. Sua garganta, tão pouco usada, doía de tanto soluçar.
    
     — Merda — risadas soaram —, você gosta mesmo dessa porcaria de celular?

    Elas, no centro da piscina, mexiam naquele maldito pedaço de ferro que tanto governa sua vida. O pior? Ele se deixa governar. E elas sabem disso.

     — Se quer tanto esse lixo ultrapassado — uma desafiou —, então venha pegar.

    E ele tentou, sério, tentou mesmo; seus pés, porém, sequer passaram da borda da piscina.

    As risadas vieram e Harry começou a enxergar formas do mundo acabar, diante de seus olhos, enquanto era estraçalhado diante das garotas, tão estúpidas, que faziam esforço pra tornar Harry ainda mais estraçalhado.
    
    Deus não sabe mesmo brincar de administrar.

    E quando tudo saía dos trilhos, Harry se via de cima, de lado, de costas, qualquer visão, menos a sua. Assim, a dor não parecia tão significante. Se tornava apenas mais um personagem de uma história que ninguém quer ver.

    Esse personagem, no fim, não seria nada além disso. Ou poderia ser, se quisesse. Poderia ser um sentimento não dito, um caminho não tomado, uma ausência, uma vida insignificante demais pra ser relevante.

   Então, Harry fecha os olhos e fica bem. 

    Afinal, o personagem não aproveitado, não lido, não sentido, se torna uma especulação, um breve aceno, um pouco mais do que uma oportunidade perdida. Juntamente com sua dor.
   
    Harry ansiava por outra história, com outros sentimentos e personagens. Qualquer coisa que saísse daquela cena difícil de avançar e, por Deus, Harry é essa cena.

   Então não só uma, como duas histórias estão prestes a ser contadas. 

     — Precisamos chegar ao esconderijo — ordenou Zain. — Logo.

    — É, concordo —  zombou Louis. —  Por que aproveitar a época mais quente do ano nos divertindo, saindo por aí, se podemos ficar trancados naquele lugar feito baratas?  

    Zain afastou os óculos e esfregou os olhos. Já estava farto.

    — Eu devo ter esquecido de ler os termos e condições, mas terrorismo não é um hobbie com muita qualidade de vida.
   
     Louis dobrava a calça até a canela, como fosse mudar algo. Zain, por outro lado, se mantinha completamente coberto.

    — Ninguém liga pro seu braço inútil idiota — Louis falou. — Não precisa esconder ele.

     — Você vai fazer a entrega de hoje — concluiu Zain.

     — Mas está batendo recorde de temperatura, cara! — Ao que Zain não deu atenção: — Recorde de tem-pe-ra-tu-ra!

     — Me corrija se estiver errado, Louis, mas o verão existe queira você ou não.

ENTRE O CÉU E O CHÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora