Dificilmente o patrão saía do seu escritório em um dia de contabilidade, mas nesse dia ele fora interrompido por Timóteo, o fazendeiro, pai de sinhá Mariana. O velho chegou a cavalo, as pressas, perguntando em alta voz pelo paradeiro do capataz.

– Eu sei que aquele desgraçado, filho de uma quenga, vive perseguindo a minha pequena, e se ele não aparecer agora eu vou atrás dele até no quinto dos inferno!

O patrão, seu nome era Guerra, saiu com suspensórios caídos, segurava as calças. Seus cabelos pretos e lisos, na altura da orelha, lhe caíam sobre os olhos. Ele queria saber que confusão era aquela na sua propriedade. Quando saiu pela porta e avistou o conhecido, já sabia do que se tratava, Sebastião só podia ter seguido sinhá Mariana, mais uma vez, e o velho Timóteo estava enfurecido com toda essa história. Antes mesmo de descer todos os degraus da entrada ele virou-se para uma escrava à porta e pediu que ela trouxesse-lhes café.

– Timóteo! – disse ele em tom receptivo, erguendo os suspensórios – O que o traz à minha propriedade? Vamos entrando.

– Não quero entrar na sua casa, porra nenhuma! Eu quero é saber onde anda a minha filha.

– Pois por aqui ela não apareceu – retrucou Guerra.

O velho chegou perto de Guerra, os dois se encararam. Guerra sabia que o velho era duro na queda, e que ele não sossegaria até vasculhar tudo e encontrar Sebastião para perguntar por sua filha.

– Sebastião não está, mas deve voltar logo. Eu mandei prepararem um café – disse Guerra compassadamente. Queria acalmar Timóteo. – Mas se você não quiser esperar nós podemos ir até o pátio de secagem para encontrar o Sebastião, tenho certeza de que é o primeiro lugar onde ele irá, quando chegar. Mais cedo eu mandei que ele cuidasse de uns assuntos da casa de escravos.

Sebastião era o braço direito de Guerra. Ele tinha total confiança no capataz. Na verdade, ele já o havia livrado de umas boas encrencas com o velho Timóteo, envolvendo a sinhazinha. E além do mais, Guerra não gostava muito do velho, além de ele ser seu concorrente, havia algo mais que o incomodava, seu jeito empreendedor o embrulhava o estômago, eram pessoas assim que diminuíam as riquezas de pessoas como Guerra. Empreender não era o segredo do sucesso (segundo Guerra), o segredo era o trabalho escravo, custo zero.

Guerra acompanhou o velho até uma charrete. Ele mandou que o cocheiro os levassem até o pátio onde os grãos de café secavam ao sol. O velho não deu uma palavra durante o trajeto, mesmo tendo Guerra insistido em perguntar como estava de saúde, ou como andavam os negócios. Nem palavra. Então ele desistiu, e os dois andaram quase dez minutos em silêncio.

O pátio era enorme, e o cheiro de café rescendia, delicioso, um verdadeiro contraste se levado em conta os escravos tristes e depressivos que caminhavam de um lado para o outro realizando tarefas, com sede, calor, fome e dor. Os que não aguentavam e caiam ao chão eram espancados por capatazes empunhando chicotes; e por isso sempre era possível encontrar respingos de sangue nos grãos antes de serem moídos.

Para a surpresa do velho e do próprio Guerra, ao chegarem no pátio lá estava Sebastião, enxugava o suor da testa com a manga da sua blusa. A blusa estava salpicada de sangue, mas quem ali pensaria que era o sangue da sinhá Mariana? Afinal, todos os capatazes que açoitavam os escravos vez e outra apareciam com as roupas manchadas de rubro. E se a roupa estivesse desarrumada é que alguma escrava havia dado trabalho na hora de dar prazer. Entretanto, a terra vermelha que sujava a roupa de Sebastião era que deixava uma grande interrogação nos pensamentos de Timóteo. Depois de chegarem mais perto de Sebastião, Guerra perguntou onde ele esteve antes que o velho tomasse a dianteira.

– Aqui mesmo patrão, cuidei daquele assunto de mais cedo pro senhor e voltei. Estive aqui.

– Timóteo está preocupado com a filha dele – disse Guerra. – Você a viu hoje?

– Não senhor – o som da voz de Sebastião parecia sincero. – Mas bem que eu queria – o capataz nunca confessaria para o patrão que estivera na companhia de Joaquim, pois certamente aquilo lhe garantiria um castigo.

Nesse momento o velho saltou para cima do capataz e lhe arranhou um pedaço generoso da maçã do rosto, o rasgo mais profundo ia do olho direito até o nariz. Um pedaço da pálpebra inferior se rasgou e sangue foi cuspido pela bochecha do capataz.

Sebastião não emitiu som, apenas cobriu o ferimento com a mão que não segurava um chicote. Olhou furioso para Timóteo e em seguida deu as costas aos dois e saiu ouvindo os gritos do velho.

Minha filha não chegou em casa, seu bastardo!

– Timóteo está preocupado com a filha dele – disse Guerra para o cocheiro, que segurou o velho antes que ele pudesse reagir contra o patrão. Guerra mandou que o empregado levasse Timóteo até seu cavalo.

– Não sabe que ele encontrou com minha filha? Eu sei! Esse merda vai pagar.... Se minha filha não chegar logo em casa eu volto para matar ele, eu volto!

E foi com essas palavras duras e com um ódio cada vez mais maior dentro de si que Timóteo montou em seu cavalo e saiu em disparada, de volta para casa.

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