Quando Timóteo voltava para casa com um sentimento pesado lhe apertando o coração, a única coisa que ele mais queria na vida era encontrar a filha em casa e bem.
O acaso resolveu matar a ansiedade do velho.
A meio caminho de casa, a terra da estrada começava a ficar vermelha, devido às suas propriedades minerais. Timóteo já cavalgava com menos pensamentos na cabeça, ele achava agora que a filha apenas levara mais tempo para fazer as compras. Foi bem no momento em que pensou em fazer um desvio até o comércio de Joaquim que algo trazido pelo vento bateu contra seu rosto.
Timóteo quase jogara fora a coisa. Com uma mão ele segurava agora a fita de cabelo que era usada por sua filha, suja de sangue e terra vermelha.
Sem saber bem o que fazer naquele momento o velho parou o cavalo e olhou em volta, não viu nada. Uma poeira densa e vermelha o envolveu por um instante.
Saindo de dentro daquela névoa escarlate, voltando alguns metros do caminho que percorrera, Timóteo avistou que o mato de um dos lados da estrada onde não havia cerca estava esmagado. Sem descer do cavalo e com o coração a mais de 100 batimentos por minuto, fez o cavalo trotar até uma pedra alta – até onde levava o mato chafurdado. Antes mesmo de chegar até a rocha, já via um rastro de sangue, que continuava para longe. Ele não se deteve mais com a maldita pedra e seguiu o rastro até chegar no corpo de sua filha.
O corpo de sinhá Mariana!
E era só o corpo mesmo, pois cabeça não havia mais. Ele sabia que era sua filha pelo vestido que ela estava usando naquela manhã, o mesmo que jazia em pedaços no corpo da menina e no chão em volta, pedaços presos no mato alto.
Timóteo não desceu do cavalo, ele caiu. Mas não percebeu dor com o impacto, e mal chegou ao chão já foi logo em direção ao corpo de sua querida filha. Tudo o que ele pensava era em como havia insistido no pedido de que ela fosse acompanhada fazer compras naquela manhã e em como se sentia culpado por não ter ordenado que alguém a acompanhasse. Pobre garota, tão jovem, tão bela, tão pura.
Timóteo segurava a filha com o braço direito e acariciava seu vestido rasgado com a mão esquerda, realmente não se importava com o sangue, com o corpo enrijecendo em seus braços, ou com o pescoço balançando, com o que restara do que antes fora a cabeça de Mariana. Tudo o que lhe importava naquele momento é que tinha sua filha em seus braços. Ele a encontrara.
Sem perceber bem o que estava fazendo, cobriu os seios da filha o melhor que pôde com os trapos que era o vestido, colocou o corpo da menina no cavalo e depois ele mesmo montou, acomodou o corpo leve em suas pernas e cavalgou o mais rápido que conseguiu para sua casa.
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O Criado Mudo
Short StoryUma época de preconceitos, racismo e escravidão. Intrigas por terras e romances proibidos. Pessoas clamam por liberdade, por voz e vez.