A senhora da casa grande se chamava Iracema. Senhora Iracema sempre tinha alguém para fazer algo por ela. Ela era o tipo de mulher que não se cansava nem para vestir-se. Devia estar entrando na idade de quarenta anos e era ainda muito bonita; sua pele clara e seus cabelos escuros haviam lhe concedido o apelido de Branca de Neve entre seus familiares e amigos íntimos. Certa vez uma escrava havia rido dela na frende de uma visita, quando esta lhe chamou pelo apelido carinhoso, mais tarde, quando a amiga da senhora saiu, ela mandou que açoitassem a escrava no pelourinho, sem roupas e na frente dos filhos dela – o marido da escrava já havia morrido semanas antes, de um castigo dado pelo capataz, que, na época, já era Sebastião.
Dentro da casa grande só eram permitidas escravas. A verdade era que Guerra não confiava muito na esposa, pois ele já havia encontrado ela na cama do quarto dele de boca babada sobre o pênis do antigo capataz; surpreendentemente, a mulher apenas sentou-se na cama e limpou a boca, enquanto o marido espancava o homem até a morte. Foi o próprio Sebastião que o enterrou, para que soubesse o que o aguardava se ele traísse seu senhor. O novo capataz foi obrigado a dar uma olhada no antigo antes de ele ser enterrado, e este já estava com um cheiro insuportável.
Os únicos homens dentro da casa eram o cozinheiro e o criado mudo, este último um escravo, enquanto aquele era um empregado. Guerra mantinha um criado mudo fazendo companhia para sua mulher, pois há tarefas que uma mulher não consegue fazer. Mas o escravo que acompanhava sua mulher era escolhido a dedo. Não podia ter cabelos, devia ser forte, desdentado e de preferência mudo. Este último escravo não era mudo, mas não foi difícil cortar a língua dele, só foi preciso mais dois escravos para segurá-lo. Com a língua cortada na mão balançando bem na frente dos olhos cheios de dor do escravo, Guerra falou tranquilamente – hoje foi sua língua, vou poupá-lo de outra dor.... Mas se você me trair, se você usar esse seu membro nojento em minha mulher, mesmo que a vagabunda te seduza.... Bem, antes de te matar, eu o corto fora com uma faca cega e faço você comer – Guerra deu as costas. – Espero que estejamos entendidos.
Aquilo fora a dois dias. O corpo que Sebastião havia ido enterrar àquela manhã era do antigo criado mudo, que estava enrolado em uma mortalha suja e com o pênis murcho a meio caminho do estômago.
Perder um escravo era sinônimo de perder dinheiro, além de ser uma mão de obra a menos. A morte de um escravo também representava um investimento fracassado. Mas Guerra não tinha o tino comercial e empreendedor que seu pai já teve um dia. Ele estava mais para um riquinho besta, que achava engraçado fazer as pessoas sangrarem.
Como Guerra não poderia devolver a esposa (já que o dote que ele havia recebido do pai da moça fora muito bem aproveitado e os dois eram sócios, embora morassem em Estados diferentes), o único jeito era Guerra tolerar as volúpias da mulher e descontar sua fúria das traições nos escravos. Por isso, para evitar que a mulher tentasse seduzir os pobres coitados, Guerra proibia a entrada deles na casa grande, além de procurar entre os mais feios; e mesmo assim a mulher não tinha jeito.
Uma vez, tentando dar uma lição na mulher, ele a estuprou. Ela estava dormindo de lado, ele deitou-se ao seu lado, estava nu, e sem dar aviso penetrou-a por trás, com tamanha força que a fez sangrar. Mas aquilo só pareceu saciar um desejo imundo dentro da mulher.
A verdade era que Guerra não a desejava tanto, ele a recebeu mais por causa do dote (que já foi dito que foi um dote e tanto!), que por qualquer outra coisa. E todos sabiam, inclusive a própria Iracema, que ele dormia com todas as criadas da casa. Para a senhora Iracema, Guerra era um afeminado, como ela costumava dizer aos seus amantes.
O senhor vinha entrando pela porta da frente onde sua mulher o aguardava, sentada em uma cadeira de bambu, uma criada lhe servia café.
– O que o velho Timóteo queria? – Perguntou ela.
– Estava à procura de sua filha – Guerra parou um instante e logo após retomou a palavra, como que se corrigindo. – Aliás, estava à procura de Sebastião. Aquele velho acha mesmo que o capataz teria coragem de trazer a sinhazinha para cá? Sebastião é louco sim, mas não pra tanto.
– Espero que você tenha razão – retrucou Iracema. Colocou a xícara com metade do café que tomava numa bandeja. – Eu não ia querer que esse velho andasse difamando nossa propriedade por aí. Você bem sabe que Timóteo gosta de sair falando das pessoas.
Guerra a encarou, não queria que ela tocasse no assunto que envolvia seu pai e Timóteo.
– É, eu sei – ele falou com desdém. – E não preciso de mulher me falando o que eu devo ou não fazer. Ponha-se no seu lugar. Você é só uma mulher, serve apenas para que eu receba um dote, não fosse por lealdade ao seu pai eu já teria me desfeito de você – uma pausa. Os dois se encaram e os olhos de Iracema se enchem de lágrimas, mas ela conseguiu conter o choro. – Saia daqui!
Rapidamente, a senhora saltou da cadeira, que emitiu um estalo, e foi para o seu aposento. O café que ela estava tomando derramou no chão quando a parte volumosa de seu vestido bateu na bandeja que estava sobre a mesinha à sua frente. A escrava que estava a alguns passos correu até a bandeja e se pôs a juntar os cacos. Guerra a pegou pelo braço e a ergueu. Ainda segurando firme o braço da escrava ele a fez soltar os suspensórios, abrir a camisa, e massagear seu peito, com as mãos umedecidas de café.
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O Criado Mudo
Short StoryUma época de preconceitos, racismo e escravidão. Intrigas por terras e romances proibidos. Pessoas clamam por liberdade, por voz e vez.