A casa grande de Timóteo era muito maior que a de Guerra, já que sua idade lhe permitia ter mais contatos e saber mais sobre os negócios. Na verdade, com o passar dos anos, Timóteo não via Guerra como um rival, pois ele sabia que nos negócios era preciso ter um concorrente mais fraco, para que pudesse haver um "controle de qualidade".
Ambos vendiam toda a variedade de café. No entanto, dos dois, somente Timóteo exportava. Mas nem sempre Timóteo foi um grande fazendeiro.
Timóteo, quando jovem, estava quase falido, numa época em que uma doença sem precedentes matou a maioria de suas cabeças de gado. Em um ato desesperado e de uma sorte inigualável, ele procurou um grupo de fazendeiros que se reunia para jogar cartas. O pai de Guerra perdera uma enorme soma em dinheiro em uma noite, para Timóteo e outros homens. Posteriormente, Guerra negociou parte das suas terras herdadas como pagamento. Nas terras recebidas por Timóteo, havia uma próspera plantação de café.
Ao tempo que seu pai morreu, Guerra era tão burro para negócios como Timóteo também já fora quando iniciante, mas não ao ponto de perder toda sua herança, e se ergueu porque contratou pessoas de confiança para tratar de seus negócios.
Naquele dia fatídico da morte da sinhazinha, a mente de Timóteo estava vazia quando ele chegou em casa. Talvez ele mesmo não soubesse como chegara em casa naquela situação, estava no automático, apenas sendo guiado por sua memória.
A cena que os empregados e escravos viram foi a seguinte: Timóteo com alguém no colo enquanto chegava a cavalo. Quem quer que estivesse com ele devia dormir sobre seu colo, ou, na pior das hipóteses, desmaiado, pois ninguém contava com um cadáver até que Timóteo desceu do cavalo e gentilmente colocou o corpo decapitado da filha nos braços, se dirigindo a passos lentos para dentro da casa grande. Alguns empregados correram para ajudar o senhor, mas ele se recusou. Sem falar qualquer palavra, ele se dirigiu até o quarto da filha e a depositou sobre a cama, lá, enfim, ele derramou lágrimas pela menina.
A essa altura, os empregados já haviam tratado de mandar alguém chamar o padre amigo da família, que sempre confessava sinhazinha. Mas foi quando um dos empregados (dentro da casa de Timóteo não havia escravos, somente nas plantações) pousou a mão sobre o ombro do velho que o mesmo emergiu do luto e uma fúria pulsante estava presente em seus olhos. Timóteo saiu do quarto.
– Gregório! – Gritou ele para o seu capataz. – Gregório, cadê esse capataz incompetente?!
Rapidamente, porém, o capaz já estava às ordens.
– Me traga aqui mais duas pessoas que estejam dispostas a ir comigo e mais tu até a casa do Guerra. É hoje que eu vou matar aquela gente miserável que trabalha por lá.
Quando padre Inocêncio chegou tudo já estava pronto, e mesmo ante suas súplicas para que o velho não saísse naquele momento, que deveria ficar e preparar o enterro do corpo de sua filha, não teve outro jeito, Timóteo já estava convencido do que deveria fazer.
– Carece de se preocupar não, padre Inocêncio. – Disse Timóteo. Sua voz soava dolorosamente calma. – Eu só vou matar aquele miserável (com o seu respeito), e não me importo com nada do que vai acontecer. Já tô velho e não tenho mais nada com que cuidar e ocupar minha vida... – nesse momento ele voltou a chorar, – minha filhinha morreu, seu padre. Eu não tenho mais ninguém, nem mesmo minha filhinha. Me tiraram minha filha, o senhor entende isso?
E foi com essas palavras amargas, mas cheias de sentimentos pela vida e morte de sua filha, que Timóteo partiu para cumprir seu papel de vingar sua família.
Apenas Guerra, Iracema e Timóteo sabiam da história da morte da mãe de Mariana.
Quando o pai de Guerra perdera a aposta, ele ficou louco, afinal, perdera aposta sob efeito de álcool em um jogo de cartas que ele morreu jurando que foi roubado e que Timóteo ainda jurava que foi um jogo limpo. Quando o jogo acabara, o pai de Guerra foi até em casa e pegou sua arma. Depois saiu com a promessa de matar Timóteo e os demais participantes do jogo. Guerra sempre foi estúpido, mas, apesar disso, tinha um bom senso de moralidade que se perdera com a morte do pai. Por isso mesmo, naquela noite, seguiu o pai tentando convencê-lo a não fazer nenhuma bobagem. No entanto, seu pai estava decido.
E foi naquela mesma noite que a mãe de Mariana morrera, com um tiro vindo da arma do pai de Guerra, que tentava acertar Timóteo, mas que não esperava que a mulher ficasse na frente do marido. No momento em que viu o que havia feito, e antes que o filho pudesse detê-lo, o pai de Guerra meteu o cano de sua arma na boca e puxou o gatilho. Depois desse dia, para honrar o nome do pai, Guerra resolveu esquecer o assunto, resolvido a cumprir o acordo da aposta jurado por seu pai, contanto que Timóteo também jurasse nunca contar a ninguém, e foi nessa época que Timóteo conseguiu um bom pedaço de terra que lhe tirou do prejuízo, onde pôde dar boa educação à sua filha, órfã de mãe.
Claro que mais tarde, em um momento que pensava amar a esposa, Guerra entregou o segredo sobre a morte do pai para Iracema, que muitas vezes subornou o marido com promessas de seu silêncio.
Mas Timóteo lembrava-se bem do ocorrido, e mesmo tendo tentado esquecer o que acontecera, já que lhe restara a filha para cuidar e já que Guerra cumprira sua palavra, o velho agora estava decidido a matar quem quer que fosse até chegar em Sebastião.
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O Criado Mudo
Short StoryUma época de preconceitos, racismo e escravidão. Intrigas por terras e romances proibidos. Pessoas clamam por liberdade, por voz e vez.