Capítulo 1

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— Mamãe, podemos comprar um sorvete? — Isis sentiu o peito se apertar ao ouvir o pedido inocente do filho. Não gostava de negar nada a ele, mas nos últimos meses não tinha nem mesmo um centavo no bolso. Sua situação estava indo de mal a pior. Aluguéis atrasados, contas vencidas, estoque de comida se acabando, um punhado de currículos entregues e nenhuma entrevista sequer, e para piorar, tinha a pureza e inocência de seu filho, que não tinha ideia dos problemas que a mãe enfrentava, e sempre destroçava seu coração a cada vez que fazia um pedido diferente.

Abaixou-se até ficar em sua altura, se esforçando para segurar as lágrimas que queimavam seus olhos e lutavam para cair.

— Hoje nós não podemos, meu amor, mas a mamãe promete comprar um monte de sorvete para você quando tiver dinheiro, está bem? — O garotinho de pele negra olhou para dentro da sorveteria antes de encarar os olhos da mãe e assentir em silêncio. A compreensão dele era o que mais maltratava o peito de Isis. Lucca era uma criança adorável, compreensiva, e nunca fazia birras. Talvez, se ele fosse uma criança mimada e cheia de vontades, ela não sentisse tanta culpa.

Levantou-se do chão, afastou as lágrimas que insistiram em brotar em seus olhos e segurou a mão do menino, levando-o para longe dali, mas antes de dobrarem a esquina, uma voz grave a fez parar.

— Espere um momento — disse o estranho. Isis se virou para olhá-lo e piscou algumas vezes.

— Meu Deus! — murmurou para si mesma, incapaz de desgrudar os olhos de cima dele.

— O quê? — perguntou o homem, franzindo as sobrancelhas.

— Desculpe, é que seus olhos são muito azuis. — O homem voltou a franzir o cenho, estranhando o comportamento da mulher.

— Nunca viu olhos azuis? — perguntou seriamente, mas não de uma forma rude.

— Não tão bonitos assim. Digo, não como os seus. — Se corrigiu às pressas. — Me desculpe, mas queria falar comigo? — O loiro voltou seu olhar para o garoto que estava agarrado à perna da mãe e lhe estendeu uma sacola plástica.

— Ouvi dizer que você queria um sorvete. — Lucca olhou para a mãe em busca de aprovação.

— Obrigada, mas realmente não precisa.

— É claro que precisa. Ele é só uma criança. — Olhou para o garotinho outra vez e insistiu em lhe entregar a sacola. — Pegue, é para você. — Ao receber um aceno positivo da mãe, Lucca pegou a sacola que o homem mantinha estendida em sua direção.

— Como é que a gente diz quando ganhamos alguma coisa? — Isis perguntou ao filho, que com um sorriso gigantesco olhou para o homem.

— Obrigado, tio. — A mulher virou o rosto para o lado discretamente e secou as lágrimas que surgiram ao ver o brilho de felicidade nos olhos do filho.

— De nada. Qual o seu nome? — perguntou a ele.

— Lucca.

— Quantos anos tem, Lucca?

— Cinco, e você?

— Uuuh, eu tenho muito mais que isso — brincou, com um pequeno sorriso projetado no canto dos lábios. Na verdade, aquilo mal foi um sorriso. — Sugiro que chupe seu sorvete, ou vai derreter. — O menino abriu a sacola e arregalou os olhos.

— Uaaau! — disse surpreso. — Olha, mamãe! Tem um monte de sorvete aqui! — Isis sorriu para ele. — É tudo para mim, tio?

— Tudinho. Mas pode dividir com sua mãe se ela quiser. Agora preciso ir, Lucca.

— Obrigada — disse Isis, encarando-o com um brilho sincero de gratidão no olhar. — De verdade, muito obrigada.

— Não foi nada. Nenhuma criança deveria ser privada de coisas simples. Agora, preciso mesmo ir. Adeus, ou, quem sabe, até breve — disse antes de lhe dar as costas e fazer seu caminho de volta ao lugar de onde havia saído.

Uma vida por um beijo - [DEGUSTAÇÃO]Onde histórias criam vida. Descubra agora