Presente

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Entrei com o Finn na frente e ajeitei o gorro, olhando se estava certo através do vidro das portas na entrada. Vidros, paredes claras e gente de branco, acho que as únicas cores ali eram os enfeites de natal em pontos específicos como a recepção e a ala infantil. 

Parei com ele perto da porta e esperamos papai trazer o saco. Saco cheio e fantasia folgada de papai Noel porquê alguém recusou a barriga de enchimento. Se alguma criança não acreditar: eu avisei.  

Se tornou uma tradição familiar todo ano nos juntarmos e visitar o hospital próximo onde vivíamos, papai noel, presentes e música. É divertido e gratificante. Ficamos em família enquanto ajudamos outras que não tiveram escolha a não ser comemorar ali ao invés de suas casas com todos reunidos, pois até isso é retirado deles com o limite para acompanhantes no quarto. Ás vezes não consta nenhum.

— Por onde a gente começa esse ano? — perguntei e virei-me para meu irmão.

— Crianças primeiro, maninha. Regra humanitária. — explicou enquanto levantava o dedo e indicava para a ala infantil, soltando a risada do papai Noel no final. Ho ho ho.

Ri baixo da imitação e peguei dois presentes de início, entrando logo em seguida dele sorrindo e abraçando os que se aproximavam, abaixando para conversar com os menores e presenteando um por um devagar, tentando controlar os ânimos e evitar qualquer eventualidade. O quarto tinha um árvore de natal pequena no canto esquerdo, perto da janela. Não tinham luzinhas, para evitar um possível curto seguido de incêndio, imagino eu. Do jeito que sou desastrada, é melhor mesmo manter longe. Mas obviamente pensaram nas crianças por perto.

Levantei e abracei a mamãe, que foi tirando meu gorro de natal da cabeça e me dando um beijo na testa. Era o tipo de demonstração de carinho favorito dela, talvez também seja o meu, eu gosto. É delicado, cuidadoso, me transmite a segurança que só meus pais e meu irmão são capazes de me proporcionar.

Fiz careta como implicância e a olhei, rindo baixo quando vi que tive sucesso e soltando dela. Prometi uma grande apresentação essa noite.

 Já volto para cantar, vou pegar água.  avisei e saí do quarto, procurando bebedouro e mexendo com o anel no caminho. É uma mania. Às vezes faço sem perceber, geralmente quando fico nervosa. Não estou agora, mas um pouco estranha por andar sozinha nos corredores, imagina se alguma enfermeira acha ruim perambular por aí ou me confundem com um senhor fugitivo.

Dobrei em outro corredor no final da ala e parei um pouco, lendo as placas. Talvez eu esteja perdida... Não que seja difícil, corredores iguais para todo lado, cara. É a sensação de um labirinto com poucas alterações aqui e ali, nomes de pacientes em algumas portas e placas em certas partes.

Placas.

Girei nos calcanhares e dei de cara com um nome em caixa alta e negrito, bem acima do arco de entrada.

SALA DE RECRIAÇÃO

Recriação. Então ainda estava no lado certo do hospital. Eu acho. Bom, faz sentido, crianças, recriação.

— A enfermeira mandou você me achar? —  uma voz baixa um pouco rouca surgiu vindo de dentro da sala. Xinguei baixo com o susto e olhei em direção à voz, me acalmando ao ver a garota sentada no fundo. Vai assustar outra assim no inferno.

— Não. E acho que colocaram todos os bebedouros no outro andar pelo visto. — respondi e me aproximei, descendo o olhar pelos curativos nos pulsos, ouvindo as palavras saírem da minha boca antes de passarem pelo filtro. — No Natal? 

— É uma época sentimental demais. — devolveu ela em um tom de brincadeira. Não, quase um sarcasmo. Ela sabia o que fizera. Se eu rir, sou menos humana?

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