Alice se sentiu ofendida, mas não falou uma palavra sequer. E assim, o cavalheiro da floresta contou como viveu o último ano na choupana do sábio. A casinha havia sido construída por Ketut há mais de cinquenta anos. Dentro dela tinha pedras coloridas, poções e livros – uma dezena deles! Aquela região era bastante fria, mas o velho não se incomodava. Ele vestia apenas uma túnica branca, deixando as mãos e os pés negros totalmente expostos. A barba grande e crespa talvez protegesse o rosto do sereno da noite, sinceramente não sei.
Kabir aprendeu a ler. Ketut também o ensinou uma arte marcial milenar, que consistia na leveza e na flexibilidade dos movimentos. As letras e a meditação produziram paciência e sensibilidade, o que foi muito bom no processo de perdoar o próprio pai. Aprovado neste quesito, o sábio perguntou ao pupilo:
- Quem escreve a nossa história?
- Nós, mestre! Nós escrevemos nossa própria história.
- E de onde vem a ideia?
Um corvo apareceu de repente e pousou no tronco de uma árvore, enquanto via os dois conversando sobre uma grande pedra. Poderia dizer que o silêncio foi resultado da admiração que Kabir tinha por pássaros, mas não é verdade. O fato é que o jovem não sabia o que responder.
- Um corvo... você sabia que é o único animal que atravessa os vários mundos? Onde estiver, pode mandar uma mensagem que eles entregam... – falou, como se tivesse divagando e, em seguida, voltou ao assunto – Se escrevemos uma história, Kabir, há uma ideia por trás, não há?
- A ideia é o que acreditamos, mestre? É a nossa visão de mundo? Se é isso, creio que venha de todas as experiências que acumulamos com o tempo e com os ensinamentos de nosso povo.
- Muito bem, Kabir! Se o povo é quem ensina e tem participação nos principais eventos da nossa vida, quem dita as regras ao povo?
Mais uma longa pausa antes da resposta:
- O rei?!
- Não a mim.
O cavalheiro da floresta, que já não tinha mais tanto interesse por ladrões e inimigos de guerra, pensou sobre isso por vários dias, até que voltou ao mestre e disse:
- Se o rei não dita as regras ao senhor, então és um homem livre?
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Coração de papel
Short StoryImagine você acordando no meio de um tempestade com um corvo lhe espiando pela janela. Ele é a única testemunha. Há uma criatura de mão nevada e olhos verdes no seu quarto. Não é uma história de terror, mas bem que poderia ser. Um portal mágico foi...