— Lojas Kim, Park Chanyeol, boa tarde?
— Lojas Kim? Oi? Ahhhhh um minuto – Barulho de coisas caindo e papel sendo amassado e finalmente a voz frenética da linha – Vocês estão me cobrando, mas sinceramente, isso é um abuso, eu já paguei a dívida! Eu paguei ela ontem! Vocês estão loucos!
— Desculpe senhor, o sistema leva até três dias úteis para dar baixa, vou deixar anotado que o senhor já realizou o pagamento, não se preocupe, mais alguma dúvida?
— Se me ligarem de novo eu vou chamar a polícia!
— Claro senhor, o senhor tem todo o direito de se sentir indignado senhor, mais alguma dúvida?
— NÃO!
— Lojas Kim agradece sua atenção e tenha uma boa tarde.
Desliguei a ligação e suspirei. O dia ia ser tenso.
— Ei Channy, respira, só faltam cinco horas e cinquenta e dois minutos, já foram oito minutos, pensa pelo lado positivo.
A voz do Minseok sou baixa mesmo ao meu lado e eu evitei rir, eu ganhava pouco, era uma loucura, mas eu me divertia, muito.
Meu nome é Park Chanyeol, mas todos meus amigos me chamam de Channy, menos Baek que acha Channy bizarro e prefere Park mesmo. E eu sou operador de cobrança call center. O mundo em minha opinião era divido em duas grandes partes, os normais, e as pessoas que trabalham em P.As. Existem várias ramificações, claro, os operadores de cobrança, os receptivos, os ativos, os atendentes, o povo do SAC, o suporte, e mais algumas classes menores, mas não menos importante. Há call centers no mundo todo, é como a coca cola, até no bar beduíno do deserto mais distante tem um. A diferença que em vez da garrafinha gelada, é alguém com headset na cabeça desejando bom dia, boa tarde ou boa noite para outro alguém desconhecido atrás da linha.
Minseok costumava dizer que a autora de jogos vorazes já foi call center, assim como muitos escritores de livros "salve-se quem puder", porque trabalhar em uma central de relacionamento, seja ela qual ramificação for, era pior que Panem, mas tinha seu lado bom, aos meus olhos tinha vários lados bons e eu gostava, de verdade.
Eu me divertia, o tempo passava voando, eu fiz novos amigos, conheci a grande Seul em menos de um mês e ainda tinha um dia de folga na semana para assistir minhas séries preferidas. E meus dramas épicos, claro.
Para um solteirão do interior de família simples e agora sem parentes vivos e que estudou, mas não tinha oportunidades na área de formação, afinal além de call center o mundo está cheio de advogados sem emprego, até que eu me saia bem na minha humilde opinião.
E eu ria mais ali, do que em toda a minha vida antes. Era recompensador.
E as Lojas Kim era uma rede imensa de lojas que por causa do senhor Kim quase centenário, ainda tinha carnê. E onde tinha carnê, tinha dívidas e quem tinha dívidas tem cobrador. Antes as coisas se resolviam com ameaças na porta de casa, mas o mundo mudou e agora aquilo era tarefa nossa. A central de cobrança.
A famigerada central de cobrança.
Minha P.A era bem central, no meio do corredor, no meio da imensa sala galpão porão em que ficávamos e eu tinha feito amizade com os dois operadores do meu lado. Minseok, o gamer viciado e devorador assíduo de balas de goma, à direita, e o Baek, um ex dançarino de striptease que cansou de trabalhar a noite toda e resolveu fazer apenas seis horas por dia, seis dias por semana, afinal era essa nossa carga horária, segundo ele o custo benefício era parecido, então valia a pena.
Nós éramos o segundo turno, o povo sonolento, segundo o turno da manhã. E o povo mais eclético já que quem fazia o horário da manhã estudava a noite, eram os mais jovens, os "temporários", nós éramos os que pegavam os casos complexos, éramos os sobreviventes. Aqueles que passaram pelo primeiro ano do inferno. Ou Mordor, como Minseok dizia convicto.
Para meu amigo consumidor de doces como uma máquina caça níquel, éramos os nove espectros do anel antes de serem mortos em o senhor dos anéis. E nossa ala era composta de nove operadores, mais dois extras, os mais velhos da central.
Eu sempre achava aquilo assustadoramente possível.
E evitava pensar que um dia seria degolado por uma elfa, uma humana vestida de homem ou um rei escondido com uma tocha nas mãos.
Eu preferia minha P.A em Mordor.
E eu adorava os oito espectros, mais os dois extras, também.
Atrás de mim se sentava o Lay, chinês que veio tentar a vida em Seul, assim como eu, ele acabou ficando porque voltar não valia mais a pena. Ele tocava em barzinhos no fim de semana também, como renda extra. Ao lado dele tinha o Chen, o único casado do corredor, a esposa era vendedora das lojas Kim, uma das que vendiam muito mesmo e a rica do grupo quando saíamos juntos no dia de folga, ela ganhava muito extra, era a mandachuva da casa e o Chen super curtia.
Do outro lado do Lay ficava o Sehun. O mais novo de todos nós, ex garoto rebelde, cheio de tattoos e três passagens pela polícia por destruição de patrimônio público, Senhor Kim era bem-feitor de centros de recuperação de menores baderneiros e acabou por trazer Sehun, órfão e meio super elétrico para a central. Isso há seis anos antes. Agora ele era um dos mais velhos da central, o solucionador de problemas e quem fazia os piores clientes pagarem.
Se fosse três décadas atrás, ele seria um agiota, claro. Mas para mim era um garoto muito bondoso, além de ser meu vizinho e ter me ensinado todo o sistema.
Sehun era muito amigo mesmo.
Do lado do Sehun ficava a P.A do Kyungsoo. Era um cara calado, na dele, que se formou em artes cênicas, mas como com a crise não dava para pagar as contas fazendo teatro, ele entrou na central há quatro anos e estava lá, até agora. Era a paciência em forma de ser humano e depois do Sehun o que mais ganhava entre eles, porque tínhamos extra de cada cobrança que era realizada e Soo tinha uma técnica invejável de fazer o povo pagar. Eu ainda estava aprendendo aquilo, claro.
No canto ficava o Jongin, que trabalhava em dois empregos e sempre estava com sono, e no canto do meu lado ficava o Suho, um ex economista que surtou pelo estresse e acabou ali, como tratamento – Sim, tinha terapias adeptas ao Call center também, tem tudo no mundo gente – E que agora estava treinando respiração Zen budista também e entre ele e eu, o casal do turno, Krishan, como brincávamos. Ambos chineses naturalizados coreanos, namorados a três anos e pessoas legais que ajudavam a central toda. Luhan estava na central há quase dez anos, era nosso matusalém, embora tivesse só vinte e nove anos e na conta eles não entravam nos espectros do anel porque Xiumin dizia que eles eram como o casal do anão com a elfa em o Hobbit, eram café com leite.
Então éramos os nove espectros do anel, mais o casal Krishan e mais cem outros operadores do turno da tarde fazendo aquilo que poucos tinham resistência para fazer.
Atender problemas por telefone.
E se divertir no processo, ainda que cada dia um saísse de lá xingando até deus de nomes bem impróprios. Acontecia de tudo em uma central e eu vou contar meu dia a dia a vocês, porque sou desses... E claro, porque eu acabei me metendo na maior confusão da minha vida e isso, entrou para a história da nossa central.
— Lojas Kim, Park Chanyeol, boa tarde?
...
Continua...
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Minha vida de call center
FanfictionUma central, onze amigos e situações tão bizarras que parecem mentira. Mas é real. Meu nome é Park Chanyeol, sou um operador de cobrança de Call center das lojas Kim e tenho um segredo para compartilhar.