1. O começo de um possível fim

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I                                                                                                            Tyrion

Sabe aquela sensação de que você não pode acordar? Aliás, que você não deve acordar?

E não estou falando de quando você está acordando pra ir à aula. Não é isso. Isso é preguiça mesmo. O que eu estava sentindo no momento era intuição. Antes mesmo de abrir os olhos, minha mente — que consegue esquecer tudo nos momentos importantes — fez questão de me lembrar de que era o "grande dia". Que animador, logo nos três primeiros segundos de consciência.

Enterrei a cabeça no travesseiro emitindo um muxoxo sussurrado.

Duas semanas atrás eu tinha começado a prometer a mim mesmo que não entraria em pânico quando esse dia chegasse. Adivinha quem estava falhando miseravelmente?

Sentei na cama, coçando levemente a cabeça. Estava sobressaltado, como se tivesse acordado de um pesadelo. Quer dizer, eu realmente tinha acordado de um. Aliás, de vários. A parte de "tenha uma boa noite de sono antes do dia que vai mudar sua vida" foi óbvia e prontamente ignorada pelo meu subconsciente. O que me servia de consolo era o fato de eu não era o único assolado por sonhos ruins quando nervoso em minha casa. Seria capaz de apostar um dedo que minha mãe também fora atormentada por toda a noite.

Respirei fundo tentando retomar o controle dos meus próprios pensamentos, o que era algo muito difícil na primeira hora em que eu acordava. Tentava manter o ritmo desacelerado e os músculos relaxados, escorando-me no parapeito da janela para mudar o foco.

Levantei-me e apoiei o tronco em algumas almofadas que lá estavam, colando o rosto contra o vidro enquanto encarava Mistion, ou simplesmente Reino da Água.

Em comparação, Mistion não é lá essas coisas. Quase tudo é feito de gelo. É bonito, sim, mas nem se equipara aos palácios suspensos no Reino de Alymus — do ar . Ou nos gigantescos prédios no Reino de Nortow— da terra.

Normalmente, as construções são baixas e esculpidas, o que transforma o ambiente em acolhedor e pitoresco. Canais cortam as ruas, dando passagem a pequenos barcos e a gondolas. De margem a margem, arcos de pequenos cristais suspensos envoltos em fios dourados, os quais compõem a iluminação durante a noite a partir de tons amarelados, conduzem os caminhos até a praça central.

Colunas de mármore glacial, arcos, aquedutos, tetos abobadados também ganham destaque em todos os espaços. Especificamente, tornam-se majestosos nos prédios governamentais e na Cúpula das Marés, onde tanto o tamanho quanto o nível de detalhes colaboram para verdadeiras obras de arte.

Diziam, porém, que somos ultrapassados por causa da arquitetura essencialmente clássica. Apenas o meu deboche àqueles que pensam assim. Não importa o que me digam pois, no fim das contas, aquele era um lugar ao qual eu pertencia, aquele que guardava todas as minhas memórias e sonhos.

O meu devaneio foi intensificado por um crepúsculo permeado de estrelas oscilantes, o qual mesclava-se, ainda, a uma singela e trêmula aurora boreal. Fenômenos que riscavam o céu com tons variantes de laranja, azul e verde. Uma mistura comum por aqui e que prendia-me a atenção sempre. Eu poderia ficar horas e horas admirando o espetáculo natural que me trazia paz e uma alegria aconchegante.

A ruptura com o estado de encantamento se deu por alguns cliques no vidro.

A princípio pensei ser algo da minha cabeça, mas, pela continuidade dos ruídos, fui coagido a abrí-la.

O murmurar do vento frio foi, de imediato, a única resposta. As rajadas penetravam no quarto e atingiam meu peito nu em ondas cortantes, eriçando-me os pelos da nuca e fazendo balançar um sino dos ventos a minha direita.

ÉtreserWhere stories live. Discover now