XXIV

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Os dias passaram devagar, como se estivessem de luto também pela morte de Albert. Ainda era estranho saber que ele estava morto, que não iria atormentá-lo mais com suas psicopatias. Mesmo que não nutrisse nenhum sentimento de amor por seu irmão, era difícil a perda. Talvez o pequeno Karl do passado, o que admirava o irmão mais velho, ainda habitava o corpo do atual Karl; triste e mais velho.

Abraçou o próprio corpo por alguns segundos e tragou seu cigarro lentamente pensando nas coisas que faria quando chegasse em Salzburgo. Não permaneceria mais tempo em Viena, não com aquele clima ainda mais desconfortável. Se com Albert estava ruim, com ele morto estava ainda pior. Seu pai assumiu um humor terrível, que ele não era obrigado de forma alguma aturar. Quando ele era jovem conseguiu fugir do imperador, agora com trinta anos não ficaria naquele palácio para ouvir suas palavras estúpidas e humilhantes.

Ainda não havia conversado com Helene sobre sua viagem de volta para Salzburgo. Desde o velório e enterro de Albert, eles não se falaram mais. Nem por cartas ou recados. Estavam calados mais uma vez, como se tivessem cortado suas línguas e dedos. Planejava conversar com ela no dia seguinte, ou naquela noite mesmo, ainda não tinha decidido. Tinha medo da reação dela. Era arriscado e imprudente eles assumirem qualquer envolvimento naquele momento. Jamais se perdoaria se o povo da Áustria odiasse Helene. Ele já estava acostumado a ser rejeitado, ela não merecia esse sentimento de forma alguma.

— Alteza, o senhor deseja alguma coisa?

— Não, obrigado Thomas. Está dispensado.

— Sim, Alteza. — o valete fez uma reverência e saiu do quarto em silêncio.

Karl terminou o seu cigarro e deu início a outro. Aquele maldito hábito ficava ainda mais rotineiro quando estava estressado.

— Meu filho, está fumando?

Karl olhou para sua mãe que trajava roupas pretas de luto. A feição dela cansada e abatida, como se tivesse sem dormir várias noites, o que deveria estar acontecendo.

— Não sempre. — tragou o cigarro mais uma vez. — Algumas coisas me fazem fumar, mesmo que isso não resolva meus problemas. Mas se eu pensar que vai solucionar, traz alguma espécie de alívio. A senhora me entende?

— Acho que sim. — seus lábios tremeram um pouco ao falar.

— A senhora tem se alimentado direito esses dias? — perguntou preocupado.

— Não muito. — admitiu, se jogando em uma poltrona próxima a lareira. — Não precisa se preocupar comigo, filho. Na medida do possível, estou me recuperando aos poucos. Nenhum sofrimento é eterno, apenas se você deixá-lo tomar conta de você. Ainda não estou pronta para definhar por causa da morte do seu irmão, ainda tenho que viver algumas coisas. Preciso ver você e Helene felizes e juntos. Quero ver meus netos correndo por esse palácio despreocupadamente. Penso que tudo irá se encaixar em algum momento, de alguma forma. — fungou um pouco. — Está fazendo muito frio.

Karl ficou desnorteado com a mudança brusca de assunto da sua mãe. Em um momento falava sobre o futuro deles, depois terminou falando do clima, como se as outras palavras não tivessem causado nenhum efeito sobre ela.

— Sim, mãe, está frio. — respondeu por fim. — Muito frio.

— Esse clima sempre deixa as coisas mais difíceis.

— Em qual sentido? — perguntou curioso, não estava entendendo o rumo daquela conversa.

— Todos.

— Mãe, a senhora está realmente bem?

— Não fique perguntando isso toda hora, maldição!

Karl estranhou sua mãe falando daquele jeito e correu em direção a campainha dos empregados. Pediria para chamarem um médico, ela não estava nada bem, por mais que dissesse que sim. Como se não bastasse o furacão que estava sua vida, sua mãe estava ficando doente. Tinha medo de que aquilo piorasse, odiaria perdê-la.

— Alteza. — um empregado bateu na porta e entrou no quarto.

— Por favor, chame um médico. Comunique ao meu pai que a imperatriz não se encontra muito bem.

— Sim, Alteza. — o homem fez uma reverência e saiu apressado para atender ao pedido dele.

Karl aproximou-se da mãe e pegou sua mão enluvada.

— A senhora ficará bem, tenho certeza.

— Eu estou bem, querido. — seus olhos fitavam as chamas da lareira. — Estou muito bem, acredite em mim.

— Estou tentando acreditar. Mãe, a senhora precisa se cuidar, viajar para algum lugar afastado daqui. Afastar-se um pouco das lembranças...

— Não posso deixar meu país.

— Sua melhora é mais importante do que a Áustria. — disse cerrando os dentes, odiava aquele patriotismo cego.

— Nada é mais importante do que a Áustria.

Karl respirou fundo e aceitou que aquela conversa seria completamente inútil.

— Seraphine!

Seu pai chamou por sua mãe com preocupação na voz, coisa que há muito tempo ele não presenciava; o imperador se importando realmente com alguma pessoa. O médico chegou logo depois, aproximando-se da imperatriz com certa cautela.

— Seria melhor levá-la para o quarto dela.

— De acordo, Majestade. — respondeu o médico.

— Venha, Seraphine, precisamos deixar os aposentos do nosso filho.

— Oh sim, ele precisa de privacidade.

— Claro, depois poderão conversar o quanto quiser. Mas, agora, irá descansar no conforto do seu quarto, como deve ser.

— Sim, Fernand, compreendi. Por que está falando comigo como se eu fosse uma tola?

— Não estou falando com você como se fosse uma tola.

— Sim, está me tratando como se eu fosse uma tola.

— Mãe, boa noite. — Karl interveio antes que a discussão piorasse.

— Boa noite, meu querido filho. — andou até ele e depositou um beijo em sua bochecha. — Cuide-se e pare de fumar por favor.

Karl deu um pequeno sorriso e assentiu, observando seus pais saindo do quarto dele aparentemente tranquilos. Aquela era a cena que ele havia imaginado diversas vezes quando era pequeno. Talvez, alguma coisa tinha tocado nele, uma nostalgia. Sorriu mais uma vez e pegou outro cigarro para fumar.

Colocou o cigarro entre seus dentes e o acendeu em uma vela próxima a sua cama. E ouviu três batidas na porta.

— Santo Deus, não tenho sossego para fumar meus cigarros. — murmurou. — Entre, por favor! — disse alto.

Helene colocou sua cabeça para dentro do quarto. Vestia uma camisola branca e seu cabelo estava solto, revelando o quão grande estava. Ela estava preparada para dormir, Karl não entendia o motivo dela estar em seu quarto naquele momento, mas apreciava ter a companhia de Helene.

— Está fumando?

— Sim.

— Não sabia que fumava.

— Um hábito que adquiri não faz muito tempo.

— No mínimo estranho. — ela fechou a porta.

— Não que eu não esteja feliz com sua presença, mas o que a trouxe aqui?

— Estava querendo ficar um pouco com você.

— Precisamos conversar, no entanto, não agora. — aproximou-se da janela e abriu, jogando o resto do cigarro fora. — Agora... — fechou a janela e aproximou-se dela devagar. — Quero apenas ficar em seus braços, minha Helene.

Um sorriso brotou no rosto dela.

— Venha para meus braços meu amor. — abriu os braços.

E ele foi.

HeleneOnde histórias criam vida. Descubra agora