Um mendigo

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"Cante para uma pedra"

... Embaçado, nada distinguia de nada era tudo igual e embaçado aos seus olhos, olhos verdes comia as folhas das árvores na primavera e era primavera naquele tempo. O vento trazia o aroma das flores e dos orvalhos, dos Pinheiros da floresta e da terra na qual ninguém se dava conta de tal aroma. Como sempre fora antes e como sempre será depois as pessoas andavam apressadas pelas ruas, os barulhos dos sapatos das moças em um constante 'tec tec tec' daqui pra lá, de lá pra cá, daqui acolá e dacolá para lá. As botas dos homens era uma 'tec' mais bruto contra o chão e de novo e de novo passando e repassando, seus olhos sempre a frente a cabeça erguida. Mas tudo isso era embaçado, sempre embaçado para ele, os olhos verdes apenas viam o embaçado apenas lhe restava ficar horas e horas com a mão estendida a espera de uma ajuda.
... Mas nada vinha de pessoas que não olhavam para o chão. Nada vinha de pessoas que mantinham a cabeça erguida, onde nem as crianças olhavam para a sua altura. E fora assim que passou toda a sua vida desde que se entendia por gente, em um mundo onde ninguém olhava para o chão. E ele ficava ao chão, lembrava-se da infância onde sempre fora o menor de todos, onde seu pai o desprezava pela altura e o estapeava dizendo "Já que é tão pequeno como um rato, pelo menos olhe para cima" ele tentava e como tentava mas o que vinha abaixo sempre o fascinaram mais, desejava olhar para cima porém sempre dizendo a si mesmo que deveríamos olhar para baixo antes. Mas ele não gostava de lembrar, queria esquecer desses momentos, sua vida era outra agora na rua e com fome, dores no corpo, roupas esfarrapadas, sujas e uma grande miopia que o impedia de ver...
... Como e por que aconteceu tão rápido? Aquela cidade que antes lhe pareceu bonita agora o sufocava e nem sair dali podia. Como sairia sem que pudesse ver? E ali ficou com a mão estendida a espera de ajuda.
     Até que ela veio.
     Veio a passos suaves e quase imperceptíveis, veio envolto de um aroma de mel e camomila. Veio da luz, de que direção ou lugar isso ninguém sabe, de que família ou se é que tinha família isso ninguém sabe o que se sabe é que ela veio em seu auxílio e o que se sabe é que tudo começou com uma maçã. O cheiro da fruta invadiu suas narinas enchendo sua boca de saliva, sim ele estava com fome e aquela feita era convidativa, seu cheiro de aproximando até que ficasse bem perto de si. Mas quem era essa pessoa tão enorme? Seria um homem? Uma mulher? Uma criança? Não haveria de ser uma criança pois era grande demais.
"Está com fome." disse, disse em uma voz que parecia-lhe música, uma música tão angelical quanto se fosse os próprios anjos que cantavam.
"Eu... Sim." então sentiu a fruta em sua mão, a casca lisa mostrando que a fruta estava em bom estado e pronto para comer e comeu sem pensar duas vezes deliciando-se com o doce sabor da fruta em sua boca preenchendo com seu suco saboroso. Esquecendo de modos e tudo comeu até sobrar apenas as sementes "Obrigado... Muito obrigado!"
"Tudo bem. Qual seu nome Sábio Mendigo?"
"Vinícius."
"Prazer em conhecê-lo Vinny." o seu coração se alegrou, era possível ouvir que ela estava sorrindo e vê-la sorrir era algo que ele queria fazer outra vez.
... Então veio o toque em sua mão, um toque que parecia tirar seus medos, tirar sua dor e sua solidão. A maçã tirara sua fome e a mão pequena segurando a sua tirava-lhe todo o resto de ruim. Mas era uma mão muito pequena para alguém tão grande. Então a mão se afastou da sua e por um breve momento a solidão, as dores e a dor voltaram para si tirando seu sorriso antes da pequena mão tocar seu rosto, fora grande a sensação de bem estar que o fez permitir fechar os olhos e apreciar aquele toque, nem sentira o metal passar por seu rosto e se adequar em suas orelhas e nariz.
"Abra os olhos, Sábio Mendigo."
... E foi quando abriu que teve sua surpresa. Um mundo inteiro de cores e texturas se abria atrás dela, e ela... A pele morena e suave da juventude cobria seu rosto pequeno e bochechudo, os olhos castanhos claro lhe lembravam o mel do seu cheiro e os cabelos loiros a camomila. O sorriso que ele ouvira estava ali para ele, ela estava sorrindo para ele, fazendo seu ser se alegrar com sua presença. Mais do que nunca ele queria fazer ela sorrir, estar perto dela e sim... Não era um homem apesar de usar roupas que seriam para homens, não era uma mulher apesar de ter feições de uma mas sim uma criança que não era nenhum e nem outro pois tinham a delicadeza de uma mulher e o vigor de um homem.
"Estive procurando por você, querido Sábio. Finalmente te achei."
"Não sou um Sábio... Sou apenas um mendigo..." disse Vinny sem desviar dos olhos castanhos dela.
"Por isso mesmo. O que é mais sábio do que um mendigo que ver sem os olhos?" ela proferiu e para ele fez sentido por um momento ele se viu Sábio "Vamos meu Sábio Mendigo, se levante."
... E com a ajuda dela ele foi ficando pé, com uma enorme surpresa ele foi ganhando altura, uma altura que ele não tinha que ele nunca soube que teve, talvez por que esqueceu ou porque sempre andara encolhido. Mas ele se viu ter uma grande altura, seus olhos podiam ver ao longe, não precisava ter a cabeça erguida nem olhar para cima, sempre olhou para cima agora desceu o seu olhar para a garota. Uma criança que nem chegava a sua barriga, mas de uma forma ou de outra ela parecia ser grande igual a ele.
"Quem é você?"
"Isso importa pra você?"
"Qual sua idade?"
"Isso importa pra você?"
"O que quer de mim?"
"Quero que venha comigo. Esteve te procurando para andar comigo."
"Por que eu?"
"Me diga ... Importa pra você a temperatura do sol? A altura da árvore ou o sabor da fruta que ela dá? Importa saber para onde as pessoas vão e da onde elas vem? Importa minha idade ou o meu nome quando pode ter algo além de dores e solidão?"
"Não" ele disse hipnotizado pelas palavras dela, uma criança podia falar assim? Com esse tom e essa força?
"Você quer aproveitar o sol, a sombra e o fruto da árvore, quer olhar as pessoas e imaginar qual seu nome, sua vida, seus gostos... Agora, se quer vir comigo é sua escolha, não te prometo uma vida confortável ou uma cama de penas ou uma mesa farta da melhor comida. Eu te prometo companhia e tudo de bom que a vida poder nos dar pela estrada."
"Sim." ele respondeu sem pensar, queria sair daquela cidade sufocante e monótona, onde tudo acontecia na mesma ordem e tempo todos os dias ele tinha medo do que encontrar lá fora mas isso não importa, ele tinha a ela.
"Ótimo meu Sábio Mendigo. Então aqui mesmo começa nossa jornada pelo mundo, pode me chamar de Vivi."
... E naquele ponto da cidade foi que começou tudo, que ela o encontrou, que ele a seguiu para o desconhecido, mas uma coisa em seu coração dizia constantemente...
... Ele era um Sábio. Um Sábio Mendigo e não seria o único a acompanhá-la...


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