Capítulo 2 - Claus

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"Totalmente vazio. Despedaçado. Partido." Apenas um garoto/ Bill Konigsberg

Segunda, 11 de abril de 2016. 01h32

Eu estou com os fones de ouvido. A música é boa. O livro que estou lendo é Jogo perigoso de Stephen King, uma obra simplesmente incrível! A personagem, Jesse, está acorrentada por uma algema a uma cama e tenta inutilmente alcançar um copo de água que está em cima da cômoda. Pena que a pobre coitada se encontrava sozinha em uma casa na floresta com o marido morto ao lado e...

A música é interrompida. Meu celular começa a tocar.

88220516.

O número não é um contato salvo na agenda. Há poucos contatos salvos e esse não é um deles, por isso rejeito a chamada. Não atendo a desconhecidos. O número volta a chamar e resolvo atender para acabar logo com o incômodo.

"Eu conheço você, Claus. Fique tranquilo, pois seu telefone não está grampeado. Já verificamos."

Que merda é essa? Percebo que a voz do outro lado da linha telefônica é masculina e parece ser jovem. Meu celular marca o horário errado. Mesmo estando escuro, com dificuldade vejo que o relógio sob a cômoda próxima a minha cama marca 01:32 da madrugada. Não percebi o passar do tempo porque fiquei focado na leitura. Eu estou sozinho em casa. A minha mãe é enfermeira e está no plantão.

"Ahhh, quem fala?" Digo deitado na minha cama com o aparelho na orelha. As cobertas se enrolaram nos meus pés e há várias espalhadas pelo chão do quarto bagunçado. Eu sou muito organizado, mas ultimamente acabei me tornando desleixado.

"Eu preciso muito conversar com você. Meu nome não importa agora. O que importa é que conheço você e muito bem. Somos iguais ou quase isso. Tudo bem, tudo bem. Não exatamente iguais. Preciso admitir que o que você faz é superinteressante em relação a mim. Sou meio inútil." O tom usado foi de sarcasmo, mas no fundo, percebo que o anônimo parece sentir dor em relação ao que sente sobre si mesmo.

"Não sei do que você está falando. Provavelmente você discou o número errado ou está me confundindo com outra pessoa. Aqui é o Fabrício." A quem estou tentando enganar? Já era. "Já são 01:32 da madrugada, caso não saiba." Falo tentando me fazer de desentendido. O que será que eu fiz de errado dessa vez? Meu coração começou a bater muito rapidamente devido a preocupação.

"Poxa, Claus. Você não sabe mentir, e mesmo se soubesse, não adiantaria mentir para mim. Sou muito bom em descobrir coisas. Não precisa negar nada. Estou seguindo você faz algumas semanas."

"Seguindo a mim?" Quero me jogar em um buraco e morrer. Porcaria! Com certeza dei mole em algo. Deixei claro o espanto que eu sentia. Levanto-me da cama e caminho em direção ao apagador que fica junto à porta do quarto. Tudo fica claro. Abro as cortinas da janela tentando observar a rua e não vejo ninguém.

"Sim. Olha, cara, eu precisava saber se você é mesmo tudo o que aparenta ser. Você é certinho demais comparado aos outros alunos da escola. Quer dizer, aos que observei até agora. Você errou ao se destacar de todos. É inteligente, atinge a pontuação máxima em todas as provas, é talentoso... resumindo, perfeito ao extremo. Espero que não tenha colocado todo o seu conhecimento em línguas no sei currículo porque, sabe, seria suspeitíssimo. Não é comum um adolescente de 16 anos falar 8 línguas diferentes. Sei como consegue fazer tudo isso! Você está ficando em evidência e isso é peri..."

"Está tarde para ficar fazendo trotes." Corto. "Eu estava dormindo!" Começo a ficar impaciente.

"Hahaha." O filho da mãe está debochando de mim.

"Você não sabe mesmo fingir, hein. Estava tentando dormir? Estava com seu livrinho favorito, isso sim. Deve ser realmente muito legal não precisar estudar tanto para gravar os conteúdos das matérias como as pessoas normais."

Merda! Como ele sabe tanto sobre mim? De nada adianta fingir ser quem não sou. Encerro a chamada, desligo o celular e o deixo bem distante de mim.

O silêncio reina no quarto. Eu só ouço o barulho do vento soprando nos galhos da árvore do vizinho.

O telefone liga sozinho.

Desligo de novo.

Ele liga sozinho.

Desligo de novo.

Ele liga sozinho novamente.

Celular macumbado! O que pode estar acontecendo aqui? Esse estranho está me pressionando. O mistério é como exerce o controle do celular. Eu não consigo entender. Já vi muitas coisas, mas isso é novo para mim. Fico olhando para o telefone como se ele fosse uma grande barata voadora.

Dois minutos se passaram e durante todo esse tempo, o aparelho vibrou por causa das ligações. Não adianta mais fugir. Pego e atendo.

"Não é um trote, Claus. Não desligue o telefone de novo, por favor." Continua o estranho. Não é um simples pedido, soa como uma súplica desesperada. A voz expressa emoção e necessidade.

"O que quer comigo? Tirar proveito de mim? É isso o que quer? Estou me esforçando para ser normal há tanto tempo e você quer tirar isso de mim agora?" Eu me sinto sufocado com tudo! O passado me persegue.

Gargalhadas altas explodem pelo telefone. Depois que o desconhecido termina de rir, respira e continua a falar.

"Quem dera se eu pudesse te usar, Sr. Mente Brilhante. Qualquer pessoa gostaria de ser você. Olha, não sou um deles! Estamos no mesmo time."

Silêncio.

Ele sabe de tudo. Ele sabe de tudo. Ele sabe de tudo. Ele sabe de tudo. Ele sabe de tudo.

Eu não sei o que dizer. A máscara que criei caiu. O que dizer? Um xingamento passa por minha mente, mas meus lábios continuam imóveis.

"Acho que se ficarmos juntos será mais fácil lidar com tudo o que está acontecendo."

"Ok. Então há mais de nós com você, hã. Você não deve ser tão inútil quanto disse ser. Sabe demais sobre mim e eu não gosto disso. Não faço a mínima ideia de com quem estou falando por esse telefone, mas não tenho duvida de que você é como eu. Fiz o melhor que pude, mas você me encontrou." Minha voz está esquisita porque comecei a ficar sem fôlego. Excesso de peso. Talvez eu esteja sendo precipitado por desistir tão facilmente da minha fantasia. E se eu me arrepender?

"Obrigado, cara."

"Não me agradeça ainda. Também não sei o que fazer comigo mesmo e não tenho muitos conselhos para ajudar outra pessoa. Já tenho meus próprios problemas ocupando meus pensamentos. Ninguém liga tarde da noite para alguém com quem nunca conversou e não conhece."

"Por um lado, você tem razão. Já por outro... está totalmente enganado. Eu conheço você. Já disse."

"Você fala demais. Quero a verdade sobre você."

"Eu vou te dar as respostas hoje depois do horário da escola, ah... meio-dia, no restaurante perto da escola. Eu também estudo na Raphael de Castro e no mesmo turno que você." Disse o estranho.

"Não tente fazer nada comigo ou pode acabar se arrependendo."

Espero que minha atitude não seja um erro.

"Ok." Ele diz.

Desligo o telefone, e dessa vez, ele não religa sozinho como antes. Volto a me deitar na cama, inquieto. Apenas quando já estou deitado percebo que a lâmpada continua acesa, mas não tenho ânimo para ir apagá-la. Recoloco os fones no ouvido.

1Mas agora me leve para casa.

Me leve para casa, onde é o meu lugar.

Eu não aguento mais.

Como ele sabe tanto sobre mim? O que estava acontecendo com o celular? Terei as respostas.

Muito exausto, adormeço ouvindo Runaway da Aurora. 

Incêndio provocadoOnde histórias criam vida. Descubra agora