GÊNESIS

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As poças de água respingavam para todo lado, quando On pisava sobre elas, desmanchando o reflexo da lua no chão sujo e lodoso por alguns segundos. Sua respiração se acelerava cada vez mais, conforme aumentava a velocidade.
Precisava escapar deles, mas como escapar de algo que está dentro da sua cabeça?

Quem estivesse de fora, diria que era apenas uma moça qualquer correndo em um dia chuvoso, mas On não era qualquer uma. Ela sentia a presença deles, onde quer que estivesse, escutava seus sussurros e suas risadas debochadas. Eles invadiram sua cabeça, roubaram sua sanidade e extirparam a sua capacidade de discernir o que era fantasia do que era real.

— O que vocês querem de mim?! – gritou para o "vazio", e como já era de se esperar, obteve uma resposta imediata.

Você sabe muito bem o que queremos. Você tem algo que nos pertence, e vamos te perseguir até que nos entregue. – A voz dentro da sua cabeça era tão fria, que por um momento, seu corpo inteiro se arrepiou.

— Eu não faço ideia do que estão falando! Já disse que podem entrar na minha casa e procurar por onde quiserem! – On tentava mais uma vez negociar com a voz, em uma falsa esperança de que a deixassem em paz.

Muitas soluções para acabar com esse sofrimento haviam sido cogitadas,  uma delas era tão drástica, que no momento em que ela se colocou de pé sobre a marquise da sua casa, a voz começou a gritar tão alto, que o único que ela lembra, foi ter acordado na sua cama, toda suada.

Nós não iremos parar até te encontrar, Onara. Não adianta correr, muito menos se esconder, pois aonde você estiver, nós estaremos. E se nos entregar o que queremos, você terá acesso a coisas inimagináveis.

Era sempre assim, On era chantageada, ludibriada e tentada com coisas que ela desejaria ter, mas eles não poderiam realizar o seu maior desejo: ter seu pai de volta.

Ela sempre o escutava conversar sozinho, e como qualquer pessoa normal, o julgou. Pensou que Kayak estava louco. Ele era conhecido como tal na cidade inteira, e On tinha tanta vergonha do pai, que rara vez saiam juntos. Suas amigas debochavam dele e ela ria com elas, seu então namorado teve a coragem de usá-lo como desculpa para o término do namoro.

Foi depois do suicídio do seu pai, a três anos atrás, que On começou a escutar as 'vozes' na sua cabeça. No começo ela procurou ajuda com uma tia, que não acreditou em nada do que ela disse e a mandou para um centro psicológico que mais parecia com um inferno na terra, e graças às instruções das mesmas vozes, ela conseguiu escapar daquele lugar terrível. Que ironia.

Eles disseram como ela deveria sair, o que deveria fazer e até como agir se surgisse alguém para impedi-la de sair dali.

On não se orgulha das coisas que teve que fazer quando se viu finalmente livre, mas também não se envergonha. Ela precisava sobreviver, pelo seu próprio bem. Mas tudo não passou de uma artimanha, para que ela pudesse entregar o que quer que aquelas vozes estivessem buscando. Porque segundo o que diziam, ela de nada serviria se estivesse dentro daquele hospício.

Você está se cansando à toa, garotinha. Sabe que quando menos esperar, nós iremos te alcançar.

Quero ver vocês tentarem. – Pensou. Não via mais a necessidade de falar algo, já que os malditos podiam literalmente ler seus pensamentos.

Estamos ficando sem paciência, Onara. OU VOCÊ NOS ENTREGA O ORBE OU SOFRERÁ AS CONSEQUENCIAS. – O grito a fez parar no lugar e sentar no meio-fio sujo, dando um tapa em uma ratazana que passava por ali.

Sua cabeça começava a doer ao ponto de nublar a sua vista e fazê-la ver estrelinhas.

Lágrimas desciam por suas bochechas sujas de fuligem e se misturavam com a poça de lama bem debaixo dos seus pés cansados.

— Por que eu? – Sua voz se misturou ao choro. On ainda não entendia a razão daquilo estar acontecendo justamente com ela.

Porque o universo assim o quis. Não se sinta mal, Onara. Quando finalmente nos reunirmos, te explicarei tudo.

A garota quase se deixou levar pelo tom aveludado que a voz adquiriu. Mas ela sabia que quando fosse capturada, era questão de tempo até que encontrassem o que buscavam para ser descartada como um objeto inservível.

Onara estava cansada, com fome e todos os músculos do seu corpo doíam. Ela ainda não entendia porquê tanto fugia deles, se sabia que poderiam encontrá-la quando quisessem. Eles estavam jogando com ela, como um peão. Estavam se divertindo às suas custas. Mas aquilo teria que acabar, ela não podia suportar mais um dia fugindo do desconhecido.

Em um pulo, se levantou da calçada, limpou a sujeira das suas calças, em vão já que estavam iguais de sujas, e se concentrou para conversar com aquela voz.

Sua cabeça foi invadida por muitas vozes ao longo dos três anos, mas por mais estranho que parecesse, uma delas, era mais... autoritária. Como se fosse o líder. E era com ela que ela iria dialogar.

— Ok, eu me rendo. – Começou. — Os levarei até a minha casa, e os ajudarei a procurar esse maldito orbe, mas uma vez que o encontrem, tem que prometer que irão embora e me deixar em paz de uma vez por todas.

Fechou os olhos e esperou pela resposta. Por alguns minutos, sua cabeça ficou totalmente vazia. Ela não escutava nada. Respirou aliviada, ao disfrutar daquela sensação de paz, pela primeira vez em um bom tempo.

Tudo bem. – Foi a única coisa que ele disse e depois, silencio total. 

ABDUCTI [ON]Onde histórias criam vida. Descubra agora