ENCONTRO

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Muito bem Onara, você o encontrou. Agora preciso que o leve até um lugar.

— Você me enganou! Não disse que eu teria que o levar até vocês! - Indignada, On ficou tentada a jogar o objeto no chão, na esperança de que se espatifasse, mas algo a impediu. Ou melhor alguém. Pela primeira vez, a voz assumiu o controle do seu corpo, e ela estava aterrorizada.

Você vai fazê-lo por bem... ou por mal. -De repente, On começou a caminhar. Mas aquela não era a sua vontade!

— Tudo bem! Eu o levo aonde quiserem, só... por favor, não controlem o meu corpo... - sussurrou entre lágrimas e imediatamente, sentiu que já não estava sendo controlada. Sua mente já não lhe pertencia mais, se seu corpo lhe fosse arrebatado, Onara já não existiria mais.
Para se certificar de que realmente era ela, moveu um braço, depois o outro. Respirou aliviada e limpou a umidade do rosto, enraivecida por demostrar tanta fragilidade diante daqueles seres.

Agora escute bem as minhas instruções querida, você não pode se perder e o nosso tempo está contado.

Onara escutou atentamente cada palavra que a voz pronunciou, memorizou os nomes das ruas, avenidas e até mesmo o número do lugar aonde ela teria que ir para entregar o Orbe.
Quando sua mente finalmente ficou em silêncio, voltou para o quarto, colocou a estante no lugar e pegou uma das mochilas velhas que o pai sempre levava junto. Esvaziou o conteúdo que consistia em folhas com rabiscos, e colocou o objeto redondo em um dos bolsos, demorando mais tempo do que o necessário para fechar o zíper.

Ela podia sentir o poder que o Orbe emanava, e no seu âmago, sabia que aquilo não era nada bom. O que eles fariam quando finalmente o tivessem nas mãos? A Terra estaria em perigo? Será que ela seria a culpada da destruição da raça humana? Essas e outras milhares de perguntas passavam pela sua cabeça, e ao mesmo tempo, o medo por saber que as vozes podiam "ver" tudo o que ela pensava.

Não iremos fazer isso, o Orbe carrega muito poder consigo, mas só funciona com os comandos corretos, e somente dois seres em todo o universo, sabem descifrá-lo.

— Deixe-me adivinhar, você é um desses dois seres. - A garota soltou em tom de deboche. Estava física e mentalmente esgotada, pelo que a essa altura, já não tinha mais o controle do que dizia.

Está certa. Mas eu jamais faria o que você está pensando, Onara.

A voz adquiriu um tom de seriedade que On nunca havia escutado. Inclusive parecia... Ofendido com a sua sugestão?

— Se você diz... E quem é o outro ser que tem "a capacidade de descifrar o poderoso Orbe"? - Desconversou, precisava se distrair do que estava prestes a acontecer.

Não posso lhe proporcionar essa informação. - Novamente, a voz soou mais fria do que o normal. On entendeu o sinal e decidiu ficar calada.

Colocou uma blusa de moletom na mochila e uma manta para se cobrir nas noites frias. Era hora de caminhar.

Fechou todas as portas da casa e trancou da frente com a chave que usava como pingente no colar de ouro. Uma das poucas coisas que seu pai havia lhe presenteado durante a sua vida. Passou a mão pelo cordão dourado e por alguns segundos, sentiu um calor por todo o seu corpo. Talvez era seu pai dizendo que tudo ficaria bem, ou talvez era apenas um fruto da sua imaginação.

Ao descer as escadas da entrada, virou-se e observou sua casa. Seria última vez? Ela não sabia. A única certeza que tinha no momento, é que seu futuro era incerto.

O primeiro passo estava dado, já não havia volta atrás.

******

Cansada e com os pés latejando, On sentou em uma calçada. Havia passado quase dez horas caminhando, procurando e perguntando os nomes das ruas a pessoas desconhecidas. Várias vezes recebeu a informação equivocada e como consequência, acabou se perdendo.
Ela estava exausta. Não só da caminhada, mas da situação na qual se encontrava.
Tirou os sapatos e as meias, e não se surpreendeu ao ver a quantidade de bolhas nos pés. Algumas em carne viva, banhadas em sangue.

— Nesse passo, acabarei ficando manca. - resmungou enquanto jogava um pouco da água que havia levado consigo, em cima das feridas.
Sinto muito por isso. - A voz sussurrou na sua cabeça, naquele mesmo tom aveludado de antes.
— Não sei se devo acreditar nessas palavras... Sequer sei seu nome. - Continuou resmungando. Agora que parava para pensar, nesses três anos, nunca havia lhe ocorrido perguntar o nome daqueles que lhe assombravam.
Perdoe a minha falta de educação querida, me chamo Cyhan. O único pelo qual precisa saber o nome. - A voz respondeu tranquilamente. Pelo menos agora ela sabia com quem estava falando.
Cyhan. Um nome diferente e ao mesmo tempo intrigante.

— Estou muito cansada Cyhan, não sei se conseguirei terminar a missão ainda hoje. - On se queixou. Ela não estava mentindo, suas pernas doíam e sentia que desmaiaria a qualquer momento.
Não se preocupe On, eu vou te ajudar. - Cyhan prometeu e imediatamente Onara começou a se sentir melhor. Seus músculos já não doíam tanto e as feridas nos pés começaram a ser curadas quase que instantaneamente.
Como se isso não fosse estranho o suficiente, ao comando de Cyhan, Onara começou a correr tão rápido quanto uma pantera. As ruas passavam como borrões pela sua visão periférica.

— Como você consegue fazer isso? - gritou enquanto pulava mais uma cerca e cruzava outra propriedade.
Existem coisas que não são compreensíveis para a mente humana querida. E fique atenta, sinto o poder do Orbe se aproximando cada vez mais.

— Tudo bem, eu também sinto algo estranho, mas não sei explicar o que é. - Seu corpo se arrepiou enquanto corria. Ela sabia que estava próxima dele. Podia sentir o calor irradiando o seu corpo, a pele inteira queimando como se estivesse dentro de uma fogueira, porém não sentia dor. Sem obter nenhuma resposta de Cyhan, continuou correndo, atravessou uma rua escura e chegou em um terreno baldio.

Quando pisou no chão de lodo, a sensação estranha aumentou tanto que Onara teve que se segurar para não desmaiar.
Com o máximo de força que conseguiu, olhou ao redor, e... Nada. Não havia nada ali. No que havia se metido?
A queimação no seu corpo aumentou a tal ponto de que ela fechou os olhos e simplesmente se deixou levar pela dor que agora sentia com claridade.

Você é muito mais bonita do que imaginei... E muito mais corajosa também. Uma pessoa comum não aguentaria o teste.
O-o que está acontecendo? Aonde estou? Eu morri?
Não querida, você não morreu, apenas desmaiou. Agora durma, quando acordar, precisamos conversar.

[Três horas depois]

A dor de cabeça era tão terrível que Onara teve que respirar fundo antes de conseguir se levantar da maca.
Espera! Aonde ela estava?
Olhou ao redor e levou um susto ao ver o lugar. As paredes completamente branca, cheia de escrituras parecidas com as que ela viu no controle. Ao lado da sua maca, uma pequena mesa com uma forma estranha, servia de apoio para o que parecia ser um tablet. E só. O quarto era tão branco e tão estéril. E... Ela estava com outra roupa e será que a haviam limpado enquanto dormia?
Oh não! A haviam visto pelada?

— Você foi desinfectada em uma câmara especial Onara, ninguém a viu nua, se é isso que está pensando.

Aquela voz. A que a acompanhou durante três anos, já não estava mais na sua cabeça. Agora ela vinha de um corpo, parado bem na sua frente.
Cyhan era... Magnífico. A pele completamente azul e cheia de escrituras que brilhavam conforme ele respirava. O rosto era similar ao de um humano, porém as orelhas eram pontudas e ele tinha algo parecido a uma cicatriz do lado da cabeça. Os cabelos azuis em um tom mais escuro que o da sua pele, chegavam até a sua cintura fina, completando a imagem do corpo completamente musculoso. Os olhos de um azul que ela nunca havia visto e a boca carnuda que nesse momento, formava um sorriso presunçoso.
Onara não conseguia pronunciar sequer uma palavra. Era muita beleza para assimilar.

— Acredite querida Onara, também fiquei assim quando a vi pela primeira vez.

ABDUCTI [ON]Onde histórias criam vida. Descubra agora