Azul de quase noite

Capítulo 1 - Olhos azuis

Eu tinha acabado de desempacotar as caixas, e senti que precisava dar uma volta pela cidade que a partir daquele dia, querendo ou não, eu iria chamar de casa.

Peguei minha velha bicicleta, que convenci minha mãe a não vender, e por alguns minutos apenas senti o vento, Five Years do Bowie nos meus fones de ouvido, e o pôr do sol.

No passeio, eu descobri uma loja que chamou minha atenção o bastante pra fazer com que eu interrompesse meu momento contemplativo de adolescente indie. Era uma loja de discos. Eu nunca encontraria uma na minha antiga cidade. Talvez aquele recomeço repentino não fosse algo tão ruim assim.

Eu "estacionei" minha bicicleta, e entrei na loja pensando no quanto seria melhor entrar em um lugar assim com amigos. Eu me perguntei se seria difícil fazer novos na nova escola. Afinal já estou entrando lá para fazer o segundo ano do ensino médio e os grupinhos já estão provavelmente todos formados.

Eu vi discos de algumas das minhas bandas preferidas dos anos 60 e 70 e não podia nem fingir não estar muito animado. Também vi um de uma banda brasileira chamada Titãs que tinha na capa uma versão mais jovem daquele Nando Reis que conheço de ter feito uma música com o Anavitória. Esse foi um momento em que eu me senti quase um arqueólogo e que seria ótimo de compartilhar com amigos.

Eu acabei decidindo levar o Abbey Road dos Beatles. Eu estava internamente agradecido por minha mãe ter trazido a velha vitrola do meu avô pra a casa nova sem nenhum motivo aparente.

E foi no exato momento em que eu fui até o caixa que tudo sobre aquela cidade pareceu mudar. A loja e o satisfatório clima ainda não eram o bastante pra eu estar muito grato por minha mãe ter tido que mudar de emprego. Mas aqueles olhos eram. Tudo bem que não foram só os olhos. Eu nunca fui o tipo de pessoa que acredita em amor à primeira vista, e eu realmente não acho que tenha me apaixonado por ele naquele momento. Mas não nego que o meu coração bateu mais forte.

Eu acho que todo mundo tem momentos que tem certeza absoluta que nunca vai esquecer. Agora mesmo eu consigo listar três que gritam na minha cabeça:

1 - O dia em que a minha mãe me adotou. Eu já tinha 4 anos, e acho que essa é uma das primeiras, e mais importantes lembranças que eu tenho.

2 - O dia mágico em que eu assisti Star Wars pela primeira vez. Você tem todo o direito de rir, mas aquilo foi mágico.

3 - Quando eu vi aqueles olhos azuis.