Capítulo 1 Ano de 2003 - A Máquina do Tempo (Ubiratan e Marcelo)

246 1 1
                                    

Cabisbaixo, segurando um objeto em sacola plástica negra debaixo do braço, Ubiratan saiu do seu prédio, localizado na Sebastião Lacerda, bairro das Laranjeiras, Rio de Janeiro. Ele sabia que o silêncio da rua logo seria interrompido. E aconteceu. Houve uma explosão de vozes humanas; muitos gritavam "Vasco".

"O Marcelo disse que o motor reagiu. Só que eu não estava a fim de sair de casa neste fim de domingo", resmungou consigo mesmo enquanto via, de uma janela, um garoto de seus aparentes dez anos cantando o hino do Vasco. "Presenciar a alegria dos outros enquanto se está de baixo-astral é de pagar todos os pecados. Antes o velho não tivesse me ensinado a amar e torcer pelo Fluminense..."

Chegou à Rua das Laranjeiras, onde presenciou, em um bar repleto de torcedores, a alegria pelo título conquistado; alguns exibiam a faixa de campeão carioca de 2003.

"Se não fosse pelo pai, talvez estaria torcendo por um outro time. Embora, pensando bem, este também me deixaria de baixo-astral em diversas ocasiões."

Ele não entendia por que se importava com um bando de caras que nem sabiam de sua existência. A explicação disso deveria ser algum trauma de infância. Quando o Fluminense perdia, vinha um torcedor do clube vencedor e ficava zoando com ele. Se não fosse por isso, talvez nem estivesse se lixando agora com a alegria dos vascaínos. Era como se, no passado, pessoas regularmente o zoassem por serem mais altas, o que hoje o faria sentir um mal-estar cada vez que visse alguém mais alto do que ele.

Ao avistar um conhecido usando camiseta do Vasco, sorriu para ele.

— Então, tricolor. Está na fossa? — o outro o cumprimentou.

— O Fluminense está com um time medíocre mesmo — disse ainda mantendo o sorriso. — O futebol é assim: ora se tem uma boa equipe; ora uma equipe dá para o gasto.

— Agora vou ao bar comemorar com a turma. — O colega continuou em seu trajeto, gritando "Vasco" diversas vezes.

Ubiratan deixou de sorrir e retomou o seu caminho. Ele sabia que futuramente o Fluminense iria conquistar títulos; mesmo assim, ele detestava ver a alegria de outros torcedores.

Entrando na Pereira da Silva, para esquecer um pouco o futebol, lembrou do projeto que Marcelo, seu colega de trabalho, lhe propusera.

"Quando o Marcelo propôs que nós desenvolvêssemos um motor quântico, eu aceitei porque, além dele ser meu amigo, fala de certos assuntos com uma fé tão grande que convence qualquer um. Pode ser também a minha ânsia em querer ficar logo rico."

O estouro de um morteiro, a cerca de quinze metros acima de sua cabeça, interrompeu seus pensamentos. Um Corsa azul passou buzinando ininterruptamente; pela janela do carona havia uma bandeira com uma cruz da Ordem de Cristo vermelha.

Às vezes, uma dose de otimismo tomava conta de Ubiratan, que ficava imaginando o que poderia acontecer se o projeto fosse um sucesso. Seria uma revolução. Viagens espaciais seriam realizadas sem uso de combustível; afinal, se um motor for alimentado por partículas de matéria e antimatéria coletadas no vácuo, uma quantidade absurda de combustível será dispensada. Mas logo caía na realidade e chegava à conclusão de que só participava do projeto meio por inércia. Se bem que, mesmo que Marcelo viesse a desistir do desenvolvimento desse motor, ganharia conhecimentos com isso. Afinal, antes ele não entendia patavina de física quântica; agora sabia de coisas bem interessantes.

Após percorrer boa parte da rua, parou em frente a uma casa de muro e fachada em tom pastel. Após se anunciar pelo interfone, ouviu o barulho da porta destravando. Trajando bermuda, camiseta e chinelos, Marcelo abriu a porta para o colega. Com seus trinta anos de idade, era cinco anos mais velho do que Ubiratan, e já bastante calvo. O anfitrião, que morava só desde o divórcio, trabalhava juntamente com Ubiratan, como engenheiro eletrônico em uma fábrica. Ambos estavam empenhados em um projeto que não tinha nada a ver com o serviço deles, cuja meta era o desenvolvimento de um motor revolucionário.

HISTÓRIAS ALTERNATIVASWhere stories live. Discover now