Capítulo 9

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Início do Século XX (Ubiratan)

No terreno baldio, um vira-lata deixava seus dejetos; um gato, também de raça indefinida, sobre um galho esperava o animal que o acossava ir embora. Quando ainda defecava, o cão ficou de prontidão; com os pelos eriçados, o felino passou a olhar em volta, como que procurando por algo; repentinamente houve uma revoada de pássaros. Um vento inesperado balançou capim, arbustos e folhagens; o cão recuou, pisando nos próprios dejetos, e o gato saltou do galho, saindo disparado do terreno. Um conjunto de faíscas ocupou uma parte do terreno, fazendo com que o cachorro fugisse ganindo.

Foi nesse cenário que Ubiratan se materializou, caindo sobre o mato alto; coração e respiração estavam acelerados. Ainda pensava no mundo todo branco do qual acabara de sair. Após coração e respiração chegarem ao ritmo próximo do normal, levantou-se e caminhou com as pernas ainda bambas. A sua visão mantinha-se turva; a mente, um pouco confusa. Esbarrou em algo, que caiu a poucos metros.

Próximo a uma bicicleta tombada, havia um homem estirado, imprensando parte do paletó numa poça enlameada, ocasionada pela chuva da noite anterior. Um chapéu tipo coco e óculos estavam no chão. O indivíduo, que aparentava 30 anos, levantou-se, olhou para o paletó e retirou bruscamente a peça; pegou os óculos de aro dourado do tipo pince-nez e os repôs no nariz; recolocou o chapéu na cabeça calva; estudou a calça, que estava suja numa parte. Franziu o cenho e foi em direção a Ubiratan, que ainda o olhava atordoado. A princípio, ele se preparava para soltar uns impropérios, mas estacou reparando nas suas vestes, na pele esbranquiçada pelo gel e na filmadora.

— O senhor é algum maluco? — perguntou a Ubiratan.

Antes de responder, Ubiratan ligou a filmadora e apontou a lente para seu próprio rosto.

— Marcelo, cheguei! Estou um pouco atordoado! Vou verificar em que época vim parar! Senhor, pode me informar em que ano estamos? — Apontou a lente para o homem, que, intrigado, olhava para a câmera.

— O senhor é mesmo um louco! Eu só não vou direto à delegacia, porque tenho um compromisso muito importante. — Assim dizendo, ergueu a bicicleta do chão.

Ubiratan ignorou o homem, que ia embora, e passou a filmar o casario à volta. Caminhou pela rua enquanto filmava as pessoas, que logo o miravam; algumas mulheres puseram-se a correr; uma delas chegou a fazer o sinal da cruz.

Após dez minutos, ouviu-se um apito. Ubiratan viu quatro homens uniformizados, que seguravam cassetetes.

— Marcelo, me leva agora de volta, que a chapa esquentou! — Apontou a lente para o rosto e pôs-se a correr.

Após dois minutos correndo, Ubiratan estranhava o fato de ainda não ter sido retirado da época em que estava. Tão logo chegou ao terreno baldio, atirou a filmadora num matagal. Logo, os policiais assomaram. Vendo que não tinha por onde fugir, Ubiratan estacou, à espera dos seus perseguidores.

***

Num sanatório, usando uma roupa do estabelecimento e sentado no banco do pátio, Ubiratan se encontrava abalado. Pensava na possibilidade de não mais retornar à sua época — num banho forçado, o gel condutor lhe fora removido do corpo.

Sentia-se perdido. Apesar de, em sua época, ter somente Marcelo como amigo e parentes que só o viam de vez em quando, ele tinha uma vida. Agora, ele estava sem nenhuma identidade, num tempo que não lhe pertencia. Seus documentos lhe foram tomados e, por julgarem que foram manufaturados por um louco, principalmente pelas datas absurdas, não lhe foram devolvidos. De tanto perguntar, descobriu o ano no qual estava; alguém gritou: "Estamos em 1902! Está satisfeito?!"

HISTÓRIAS ALTERNATIVASWhere stories live. Discover now