Capítulo 3

5 0 0
                                    

Por longos minutos todos ficaram em silêncio, tentando absorver tudo o que tinha acontecido. James sem vida estirado no chão. Não havia mais nada nele que lembrasse aquele homem que se tornou quando tentou enfrentar os cavaleiros. Nada de olhar carregado, nada de expressão sombria. Apenas o rosto de um jovem rapaz encarando o céu estrelado com olhos sem vida. Um rosto novo demais para estar sem vida.

Graham não compreendia como as coisas culminaram naquele ponto. Não entendia o que havia acontecido. Soldados do rei deveriam proteger as pessoas do reino, entretanto, nos últimos anos o próprio rei andava cego às barbáries cometidas por seus soldados. Muitos homens, para livrarem suas famílias, e a si mesmo da tirania dos soldados, se juntavam à eles, virando capachos, fazendo o trabalho sujo. Família de Graham, claro, fora contra esse absurdo, principalmente por seus pais terem sido mortos por eles. Poucas famílias se negaram a participar disso. Graham tentara entrar nisso, sem que sua família soubesse. Era a forma que ele vira de sobrevivência. Mas não correu como Graham imaginava. Ele estava apenas tentando sobreviver e garantir segurança e vida boa à sua família. Porém, ali estava seu irmão, morto pela espada que sua obstinação trouxera para casa.

As mãos gentis e trêmulas de Lena fecharam os olhos de James enquanto murmurava uma pequena prece.

- Onde está John? - voz de Graham estava embargada.

- No esconderijo.

Outra pausa. Um silêncio pesado e rançoso rodeava os três, Graham sentia o seu peso.

Brian balançou a cabeça como se saísse de um transe, enxugou as lágrimas grosseiramente e se levantou.

- Vou pegar a pá. Lena, busque o John para fazermos uma oração antes de enterrá-lo.

- Você irá partir essa noite.

Graham olhou confuso para Lena. Achou aquela uma forma estranha de iniciar uma oração.

Lena se levantou ao lado de seu cunhado e fitou Graham, balançando a cabeça como se tivesse numa discussão interna consigo mesma.

- Você irá partir essa noite - repetiu. - Levante-se e suma de nossas vidas.

Graham se ergueu atônito, seu olhar correndo de Lena para Brian, que parecia surpreso com a cunhada mas decidido a apoiá-la.

- Lena, querida, estamos todos em choque. Não vamos decidir nada de cabeça quente.

- Minhas ideias nunca estiveram tão clara quanto agora. Você apenas trouxe vergonha e desgraça para essa casa. Temo pela vida de meu filho, sua presença certamente não trará segurança à ele. Olhe para seu irmão! Olhe o que você causou!

Lena se lançou para frente. Por um momento Graham achou que sua esposa avançaria nele para descontar sua raiva, mas ao invés de atingi-lo ela se abaixou e apanhou as moedas que Bard havia jogado no chão. Com o punho cheio de lama atirou as moedas contra o peito de Graham.

- Pegue o seu prêmio e vá embora.

- Graham, você precisa partir. Já nos causou danos demais. Pelo bem de Lena e de seu filho, John, e em respeito à James, parta dessa casa hoje mesmo.

- Não posso partir. Para onde irei? Não podem me afastar de meu filho!

- Não me interessa para onde você irá, desde que seja bem longe dessa casa e de John.

Graham observou sem palavras as feições de sua esposa e de seu irmão. Mesmo ali fora, no escuro apenas com a luz pálida do luar, conseguia identificar a repulsa estampada no olhar dos dois. O mesmo olhar que aquelas pessoas lá dentro da hospedaria sustentaram ao ouvir seu nome. Se abaixou lentamente para pegar as quatro moedas no chão, sem querer encarar o corpo do irmão logo ali do lado.

- Diga ao John... diga à ele que... - Graham engoliu em seco. Não sabia o que dizer ao filho. - Diga apenas que o amo.

Brian, encarando o chão, se pôs de lado e estendeu a mão aberta em direção à ruela perdida na penumbra do bosque, num convite mudo para que o irmão se retirasse.

~

Se havia algo que poderia quebrar ainda mais tudo o que restava de inteiro em Graham era ver seu pequeno John chorando. Seus soluços cortavam ao vento da noite, choramingando pelo tio morto, perguntando pelo seu pai desaparecido. Mas o pequeno John não estava sozinho. Tinha sua mãe e seu outro tio para reconfortá-lo.

Graham se sentou ao pé de uma árvore, não muito longe de sua casa. Ainda conseguia ver os contornos de Lena abraçada com seu filho e Brian postado ao lado dos dois. O enterro de James foi rápido. Brian com suas mãos ágeis cavou um buraco na parte leste das terras que lhe pertenciam, ao lado dos túmulos de seus pais. Devido ao frio impiedoso de inverno o enterro foi rápido e soluços do pequeno John continuavam a ecoar na noite quando os três entraram no barraco e trancaram a porta.

Graham sentiu vontade de sair da escuridão na qual se escondia, tentar chegar até seu filho, até o tumulo de seu irmão... Mas se sentia incapaz de se levantar. Permaneceu sentado ali durante horas. Viu as luzes em sua casa se apagarem e ficar tudo silencioso. Tentou por os pensamentos alinhados e pensar com clareza no que fazer, mas a confusão que estava em sua mente não era do tipo que se resolveria fechando os olhos e tentando se concentrar para achar uma solução para seus problemas. Se fechasse seus olhos flashbacks de momentos humilhantes e desesperadores tomariam conta dele. Se continuasse sentado ali o fantasma de James o atormentaria. O fantasma de sua morte, o fantasma de todos os acontecimentos daquela noite. Mesmo não tendo para onde ir não queria ficar ali, mesmo ali sendo mais o próximo de seu filho. Se levantou e saiu andando às cegas, fugindo da catástrofe que ele mesmo trouxera até sua família. Fugiu para que ela não o sugasse direto ao desespero.

O Reino OcultoOnde histórias criam vida. Descubra agora