Capítulo 7

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- Então, o que mais você sabe fazer? - perguntou Graham esperançoso.

Desde que saíram do túnel e entraram na trilha, Graham não via nada de diferente. A trilha serpenteava pelos mesmos campos que ele estava acostumado a ver do outro lado do rio, com as mesmas árvores e mesmas nuvens. A paisagem ali era exatamente a mesma. Se ele não tivesse presenciado aquela passagem pelo rio, nunca diria que tinha saído do reino. Estava decepcionado, esperava ver magia acontecendo para onde quer que olhasse.

- Como assim?

- Além do que você fez com a água e a ponte. Que outras bruxarias você sabe fazer?

- Não é bem assim que as coisas funcionam. Não sou nenhum bruxo.

Graham ficou confuso.

- Então o que foi aquilo? Algum truque barato de trupe?

- O segredo para atravessar a ponte foi o único segredo revelado à mim. Você não precisa ter sangue mágico para atravessá-la, apenas conhecer as palavras certas. Como eu disse, apenas conheço o segredo da ponte, porque é simples. E nada mais.

- Simples assim? E qual seria o segredo para atravessar? O que você falou para a ponte lá do outro lado?

- Não tenho permissão para compartilhar isso com ninguém.

- Entendo - disse Graham, ardendo com o desejo de conhecer o segredo.

A trilha se assemelhava muito às dos bosques perto de sua casa. Só que essas eram amplamente largas, as árvores pareciam maiores e mais verdes e com mais frutos, reparou depois de um tempo. Por quase uma hora inteira ficaram sem ver um sinal de vida, até que a trilha alcançou as primeiras casinhas, pequenas e frágeis. Seus moradores sempre do lado de fora, cuidando dos afazeres em seus quintais. Depois de pouco tempo as primeiras tabernas, as primeiras hospedarias e mercadinhos. Aqui as casas já começavam a aumentar em quantidade e em tamanho. Muitas crianças corriam pelas ruas, brincando, outras vendendo tortas e doces a cada esquina. Ruas aqui que não eram enlameadas ou terrosas, Graham notou curioso. Ao menos não ali onde todo mundo parecia estar aglomerado. As ruas ali eram revestidas de pequenas pedras quadradinhas e juntas, de uma forma que ele nunca tinha visto. Ficou encantado com tudo o que via, ali se revelava um mundo totalmente diferente do que ele estava acostumado. Apenas ficou desapontado por não ver nenhum animal exótico mágico e as pessoas pareciam comuns fazendo coisas de pessoas comuns. Nenhum sinal de magia em lugar algum.

- São pessoas como você e eu - disse Bastian. - O que você esperava? Uma comunidade de bruxos vivendo aqui? - riu. - As pessoas daqui vieram do mesmo lugar que você, só que muito antes de você. Encontraram abrigo aqui e aqui ficaram sob a proteção dela, a nossa salvadora.

- Quando irei conhecer essa salvadora, afinal? Você fala dela como se ela fosse um deus.

- E você a respeitará como tal, se quiser abrigo aqui conosco. Irá conhece-la num par de instantes, estamos indo ao encontro dela agora mesmo. Preciso entregar as mercadorias que trouxe do outro lado.

Graham olhou ao seu redor.

- Que mercadorias exatamente são essas? - perguntou mirando as caixas misteriosas.

- Frutos, plantas, ervas... As terras daqui são bem férteis, porém, certas coisas essenciais não brotam por aqui. E esse é meu trabalho, buscar essas coisas.

Graham ficou absorto em seus pensamento, remoendo uma ou duas perguntas, inquieto. Resolveu perguntar a primeira.

- Buscar? No sentido de apenas pegar e trazer? Ao menos paga pelo o que pega?

- Pagar? Acha que posso aparecer na frente das pessoas e socializar com elas? Carrego, além de inocentes plantas, cadáveres, se lembra? Arrasto corpos de seus entes queridos, moro num lugar que nem em sonhos eles sabem que existe. Não posso permitir que ao menos pensem em me seguir.

- E acha justo ainda roubar na surdina o que plantamos e pagamos para comer?

- Mesmo que eu quisesse pagar, seu povo nem ao menos sabe da existência dessas plantas. Não são comercializadas - Bastian deu um grande suspiro cansado ao ver a expressão intrigada de Graham - Entenda, o conhecimento que essa vila aqui tem é todo graças à ela, Eméreter. Sabemos de coisas que vocês jamais ao menos sonhariam. Temos curas para as doenças que matam metade de vocês do outro lado do rio, e temos conhecimento para evitar doenças que afetam a outra metade.Graças à sabedoria de Eméreter, que estuda a fundo o corpo humano, sabe. Ela diz que estudar os cadáveres é importante para compreender o corpo e as doenças. E o tanto de corpos do outro lado... - Bastian balançou a cabeça com uma expressão de dor.

- É realmente lastimável, as pessoas morrem feito moscas e para as moscas elas ficam - teve de reconhecer.

- É cruel demais como as coisas acontecem lá. Não posso apenas carregar esses corpos em caixas por ai, o cheiro me denunciaria e eu mesmo não aguentaria viajar. Eméreter me falou dessas plantas que crescem no meio da floresta. Uns 4 ou 5 ramos já são suficientes para conservar e chegar fresco até ela.

- E como você chegou ao serviço dela?

- Longa história - deu um longo suspiro, desviando o olhar para o outro lado. - Veja só - disse ao virar a esquina - estamos quase chegando.

Olhando para frente, Graham viu uma estradinha de chão que seguia em linha reta, ladeada de um gramado verde intenso. Graham ficou maravilhado com a mudança súbita de paisagem. Mais maravilhado ainda com o que havia ao final da estrada.

Uma enorme árvore roubava toda a cena da paisagem. Era extremamente robusta e vasta para os lados. Suas raízes eram grossas e de um cinza prateado, parecia feita de mármore, assim como todo o tronco, que se erguia a uns 10 metros do chão. No fim da sua extensão, vários galhos nodosos se estendiam para todos os lados, criando uma volumosa copa com folhas verdinhas e arredondadas, balançando levemente ao vento. As laterais formavam uma cascata de folhas que iam até o chão. Mas o mais curioso da árvore era o seu tronco. Não era apenas largo e robusto. Era extremamente largo e redondo, com uma abertura na frente. Parecia uma toca redonda.

- Aposto que nunca viu algo parecido antes - disse Bastian.

- Desde que abri meus olhos nesta manhã - riu-se Graham. Percebeu que há dias não se permitia rir de algo. - É incrivelmente bela.

- É a nossa árvore sagrada.

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