Jesus Brasileiro não era santo, profeta, muito menos um líder. Ele nem mesmo acreditava em Deus. Claro que Jesus nunca admitia seu ateísmo, nem falava com ninguém sobre isso. Sempre que os ditames sociais mandavam, aparecia na igreja. Não perdia a celebração de um dia santo ou festa solene. Até deixava o padre colocar a hóstia em sua boca, fingindo comungar. Cantava os hinos, recitava o Credo. Sabia cada cântico e cada Oração Eucarística de cor. Nem precisava ler o missal. No entanto, mesmo conhecendo o Catecismo e a Bíblia, Jesus não acreditava em uma palavra daquilo. Se você conhecesse o Jesus, saberia que ele foi criado numa família católica e que cursou colégio católico. Aí, na certa, o senhor ou a senhora estariam estranhando toda essa descrença de Jesus, não é mesmo? Mas calma, ainda não pense mal de Jesus. Ele não era um desses ex-crentes recalcitrantes, nem um ateu empedernido. Longe disso. Ele não cria não com a pretensa superioridade intelectual dos que se dizem iluminados pela Ciência. João não cria por causa do trauma e da dor que só aqueles que clamam a Deus por anos e o alívio do sofrimento nunca vem podem entender.Mesmo tendo sofrido muito na vida, Jesus era boa gente. Rapaz gentil, cavalheiro e até caridoso. De profissão era caixeiro viajante. Andava sempre carregando suas duas malas de couro. Uma delas era pequena, onde levava suas roupas e pertences pessoais. A outra mala, bem maior e mais pesada, sempre estava abarrotada de revistas, de enciclopédias, facas esportivas, linha de pesca, novelos de tricô, agulhas, perfumes, maquiagem e uma infinidade de bugigangas e penduricalhos. Jesus Brasileiro, assim como o Jesus da Bíblia, não tinha onde repousar a cabeça. Vivia mais no trem do que em casa e conhecia o Sudeste como poucos. Até que Jesus conseguia ganhar algum dinheiro com esse metiê, mas o que arrecadava não era nada comparado ao lucro que obtinha exercendo a sua verdadeira vocação. A segunda profissão de Jesus era muito mais rentável. Jesus, que era caixeiro viajante em tempo quase integral, às vezes fazia uns bicos no ofício de matador.
De novo, eu insisto, não pense mal de Jesus. Não se apresse em julgar e pensar nele como um mercenário que espalha um rastro de cadáveres por onde passa, daqueles que não se importa com nada, a não ser com a paga acertada. Jesus tinha honra. Ele seguia um código e nesse aspecto até se achava parecido com os galantes cavaleiros que viviam aventuras incríveis nos livros que lia e ganhavam vida na sua imaginação infantil. Protetor do fraco, vingador de injustiças, salvador de donzelas e azougue dos vilões ignóbeis. Era assim que Jesus se via. Jesus matava, mas matava com critérios. Por exemplo, ele tinha por política nunca se meter em briga de marido e mulher, a não ser que o homem espancasse ou ameaçasse matar a esposa. Jesus não aceitava serviços para matar velhinhos para que parentes interesseiros pudessem receber herança do futuro finado. Fora essa vocação incomum, Jesus sempre foi um cidadão cumpridor da lei e nunca levantou a voz, que dirá a arma contra autoridades do Estado ou da Igreja.
E se você pensa que Jesus só matava mediante paga, enganou-se de novo. Se o Jesus da Bíblia ou o próprio Capeta existiam, pode crer que era certo que algum deles, ou os dois, davam um jeitinho de mexer os pauzinhos e colocar no caminho de Jesus justamente as pessoas mais precisadas de uma morte. E ele não rejeitava ninguém que vinha até ele. Jesus sempre foi bom ouvinte, puxador de prosa e gostava de escutar as pessoas com clama e paciência. Deixava que falassem de suas mazelas, que desabafassem a dor, a vergonha, a culpa, a raiva... Enfim, tudo que sentiam. Andando por esse mundo afora, Jesus encontrou muita gente triste e solitária, que ficava feliz em ter alguém com quem conversar. E Jesus sabia como incentivá-las a se abrir, a contar toda a sua vida. Sempre com uma expressão grave, ouvia com toda atenção, interrompendo o mínimo possível. De vez em quando oferecia um café, cachaça ou bala de confeito, dependendo da idade da pessoa com quem conversava. Conforme a historia contada, Jesus decidia se era o caso de matar o vilão da vida daquela pessoa ou não. Quando o assunto envolvia abuso contra criança ou mulher, Jesus sentia o sangue lhe subir pela cabeça de tanta raiva. Esse tipo de gente desgraçada Jesus até matava de graça e mesmo que tivesse que gastar do próprio bolso ele pagava com gosto, só pra encontrar esse amaldiçoado e garantir sua passagem pro Inferno.!
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O NATAL E A VOLTA DE JESUS
Short StoryÉ véspera de Natal e Jesus está de volta. Diferente do Jesus da Bíblia que prometeu voltar para buscar os santos, Jesus Brasileiro da Silva, na véspera do Natal, que também é a véspera do seu aniversário de 33 anos (a idade de Cristo), está de volt...