INTRODUÇÃO

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O NATAL E A VOLTA DE JESUS

Hoje é 24 de dezembro, data mundialmente conhecida como a véspera do aniversário de Jesus. E justamente hoje ele está de volta! Na verdade, Jesus está numa igreja, parado, exatamente ao lado do presépio. Com ar curioso e admirado, ele contempla a cena clássica, representada pelas figuras em pátina: Maria e José em volta da manjedoura cercados por animais, enquanto três homens vestindo trajes reais se ajoelham na entrada do celeiro, ajoelhados no chão coberto de palha, abrindo arcas, com suas oferendas, observados de longe por humildes pastores de ovelhas, cabeças descobertas em sinal de respeito. Do lado de fora do celeiro, uma cartolina preta, desenhada com guache representa o céu estrelado, povoado de coros de anjos descendo do céu e tocando em homenagem ao nascimento do Filho de Deus. Mesmo não sendo nenhum connoisseur da Arte, Jesus ficou impressionado com o talento do escultor das figuras de pátina ou do pintor da cartolina. O modo como a cena foi composta, como cada Rei Mago foi pintado de forma a representar uma etnia, a expressão no rosto de cada pastor eram de um realismo impressionante. Até mesmo e principalmente Jesus. Mesmo não acreditando em nada do que estava representado no presépio, Jesus não poderia deixar de admitir o valor que aquela cena tinha para toda a Humanidade.

Ficou confuso? Talvez você pense que estou falando do Jesus, o belo menininho que nasceu em Belém da Judéia, certo? Nesse caso, está enganado. O Jesus que está parado admirando o presépio numa igreja velha é brasileiro, brasileiríssimo da silva. De verdade. Jesus Brasileiro da Silva é o nome do sujeito. E caso o senhor ou a senhora seja do tipo São Tomé, que só acredita no que vê, Jesus tem certidão de nascimento e tudo pra provar! E não são poucas as vezes que Jesus tem que mostrar o documento para saciar os incrédulos e a cena sempre acaba em boas gargalhadas e caras espantadas. Jesus foi registrado como carioca, mas nasceu bem longe da capital federal. Jesus nasceu num barraco na parte alta do Morro da Providência, mas acredite, o menino Jesus foi concebido num casebre de pau a pique, numa noite de luar sertanejo em Euclides da Cunha. Eu estou falando da cidade, claro, não do célebre autor de "Os Sertões" e tantas outras maravilhas da Literatura Brasileira. Então, foi lá, num vilarejo pobre ao sul de Canudos, que Maria, futura mãe de Jesus, não recebeu a visita de um anjo, mas do cabo Gonçalves, um dos muitos soldados do Exército que vieram do Rio de Janeiro, capital da República, no ano do Nosso Senhor de 1897. Cabo Gonçalves era um garboso carioca moreno, integrante das tropas comandadas pelo major Febrônio de Brito. Após a fragorosa derrota do destacamento local, no ano anterior, o presidente Pereira Passos mandou tropa profissional, armada e aprestada para invadir Canudos, com o fito de prender e matar Antônio Conselheiro e seus comandantes Pajeú e João Abade.

Precisa mesmo dizer que o cabo Gonçalves tinha o primeiro nome de José, ou o senhor e a senhora são espertos o bastante pra perceber a curiosa ironia sozinhos? Pois é. Tinha, sim. O nome do cabo era José Gonçalves. Infelizmente, ele foi uma das primeiras baixas do massacre que os canudenses impuseram às renomadas tropas federais. Com a perna ferida cabo Gonçalves foi removido para Euclides da Cunha e foi na sua convalescênça que ele conheceu Maria, negrinha formosa, liberta desde antes da Abolição, graças à Lei do Ventre Livre. Maria trabalhava na fazenda que hospedou os soldados feridos na batalha e ajudava a tratar os feridos. Ainda naquele ano chegou a notícia de que uma terceira expedição de soldados estava a caminho, o que deixou os combalidos soldados felizes. Mal podiam esperar para serem dispensados e voltar para a casa. José Gonçalves levaria consigo Maria, que já estava grávida de Jesus sem nem saber. José e todos os sobreviventes voltaram para o Rio de Janeiro em março de 1897, torcendo para que o Coronel Moreira Cesar, velho veterano da Revolução Federalista em Santa Catarina, fizesse jus ao apelido de "corta-cabeças", queimasse Canudos desde a base e trouxesse a cabeça do louco Conselheiro num chuço. Mal sabiam que fim ainda mais triste que o deles aguardava o prepotente coronel.

E foi assim que Jesus, concebido numa terra, nasceu em outra, no dia 25 de dezembro, primeiro e único filho de José Eduardo Gonçalves da Silva e Maria da Silva. Nasceu no barraco mesmo. O pai nunca recebeu um vintém sequer do Exército e teve que se virar como carregador de bagagens e estivador no Cais do Porto. Por isso, nada de dinheiro para hospital. A parteira do morro, que também era benzedeira, cuidou de tudo. Jesus nasceu sem receber presentes de reis, mas com trapos arrecadados na vizinhança. No lugar do canto de anjos, ouviu-se pontos de louvação a Oxalá, que a parteira cantava sem parar. Assim nasceu Jesus Brasileiro da Silva.

Mas espere, não ria. Por mais que você faça troça com as coincidências e diferenças entre o Jesus da Bíblia e o Jesus Brasileiro, fique avisado que esse conto não conta uma história engraçada. Não pense que lerá aqui uma comédia, sátira ou pilhéria. Também não se trata de uma historia com final feliz, muito menos romântica. Parece que toda historia que tenha como personagem principal um homem com nome de Jesus, aconteça na Judéia ou no Brasil, sempre termina em morte. E parece também que o único que fica contente com a própria morte é o próprio Jesus.

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