CAPÍTULO 3

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- Se você se mover um centímetro que seja, se tentar abrir essa porta ou se tentar escapar, não vai adiantar de nada. Eu vou me levantar, vou atirar em você pelas costas e, só por causa dessa sua tentativa ridícula de fugir do seu justo destino, eu mato umas quatro ou cinco pessoas que estão nos bancos mais próximos e deixo você vê-las morrendo, enquanto termino de te executar.

A advertência de Jesus mostrou-se totalmente desnecessária. O padre estava petrificado, ainda olhando fixamente para o revólver. Não poderia se mover nem se quisesse quanto mais correr em fuga. O máximo que conseguia era levar a mão direita ao pulso esquerdo, torcendo ou rezando para o coração não acelerar demais e ele ter um enfarte "Pensando bem, até que seria uma saída apropriada para esse calhorda", pensou Jesus. "Ele morre e escapa de tudo o que eu preparei pra ele. Tomara que isso não aconteça".

Pelo visto, não estava acontecendo, nem parecia que aconteceria tão cedo. Isso era tudo o que Jesus queria. Era uma delícia há muito esperada poder ver o terror distorcer a cara do homem que tanto o atormentou, espancou, torturou que assassinou a sua mãe a sangue frio, abandonando ele, seu filho, à própria sorte, sumindo no mundo sem deixar rastros. Para seu azar, o desgraçado não foi muito longe. O agora padre olhava para fora em mudo desespero, dando mesmo a impressão de que estava realmente preocupado com aquelas pessoas que, mesmo estando tão próximas, nada podiam ouvir e não faziam ideia do drama que se desenrolava naquele confessionário.

Todo fiel católico é ensinado a respeitar a privacidade da confissão, a fim de não constranger o pecador e não anular o segredo inviolável do Sacramento da Penitência. Por isso, ninguém se aproximava muito de um confessionário onde a estola sacerdotal estivesse à vista. Caso alguém percebesse que aquele pecador desconhecido de última hora estava demorando muito a relatar seus pecados e receber a absolvição do padre in persona Christi, talvez estranhasse, mas não se aproximaria. Jesus Brasileiro da Silva se aproveitava de toda aquela privacidade, onde cada momento era uma felicidade, um instante de êxtase. Sentia-se como uma criança que acabara de ganhar o presente de Natal que sempre desejou. E isso ainda nem era o melhor de tudo. Era apenas a antecipação, uma amostra do real prazer, prazer sem igual que sentiria em breve, ao ver a vida se apagando aos poucos dos olhos daquele monstro, sabendo que a sua última imagem na Terra seria o seu rosto sorridente e finalmente vindicado.

- Eu não vou fugir, pode ficar tranquilo. Pode guardar a sua arma. Você está errado, enganado. Você não pode ser meu filho.

- A arma vai ficar aqui. E eu não queria ter você como pai, acredite. Preferia ser filho de qualquer um, preferia ter sido até mesmo abortado do que ser filho seu, seu monstro assassino!

De toda aquela situação dantesca, o que mais impressionava e incomodava o padre era o fato de que a voz de Jesus em momento nenhum se levantou. Aquele homem nem mesmo alterava o tom. O tempo todo falava de forma extremamente clara e calma, como um patrão paciente ditando uma carta para a secretária. Não havia sinal de nervosismo nem hesitação. Mas a raiva estava ali, em cada palavra. Os olhos confirmavam. Diante de si estava um homem capaz de matar sem perder a tranquilidade. Por mais que aquela situação fosse absurda e por mais que estivesse convencido de que aquele homem que dizia chamar Jesus estava enganado, que o confundira com outra pessoa, o padre sentia naqueles olhos um ódio que parecia vindo do inferno. Ele soube naquele momento que a sua vida estava por um triz.

- Agora sei que você realmente me confundiu com outra pessoa. Eu não posso ser seu pai. Meu filho morreu. Eu também não posso ser um assassino. Já pequei muito na vida, Deus o sabe, mas eu nunca matei ninguém.

O tremor na voz do padre parecia ser efeito de um tímido sorriso que se esboçava naquela face enrugada. Poderia ser um sinal de confiança, um lampejo de esperança de que o assassino, uma vez convencido do seu engano, simplesmente se levantaria e fosse embora sem ferir ninguém. Na certa, queria tranquilizar o homem confuso com seu sorriso de conselheiro profissional, levando seu quase executor a repensar e desistir do seu intento nefasto. Dessa vez, quem estava espantado era Jesus, ao ver a calma e a segurança retornarem aos poucos àquele que ele mais odiava no mundo. "Ele acha mesmo que pode se safar com essa conversa de que 'foi um engano, meu filho'"? A mente de Jesus estava num turbilhão. Custava a acreditar que aquele homem era tão confiante ou tão estúpido a ponto de achar que Jesus suportaria a dor quase física de tão esmagadora de voltar justamente ali, ao lugar que mais temia e odiava sem ter certeza do que estava fazendo e de quem estava matando? Como ele poderia estar tão convencido da própria inocência a ponto de aparentar calma e tranquilidade mesmo estando de frente para o cano de uma arma?

O NATAL E  A VOLTA DE JESUSOnde histórias criam vida. Descubra agora