1. fico preocupada com a forma como levamos nossas relações. eu, que já carreguei tantos traumas, agora luto contra mim mesmo para não projetá-los nas pessoas com quem me relaciono afetivamente. é triste, mas a realidade é que estamos cada vez mais nos alimentando de restos, sobras e partes quebradas de pessoas que se doaram demais. você é uma dessas?
2. esse texto é um desabafo porque eu me olho no espelho e depois de várias decepções chego à conclusão de que, caramba, eu também mereço um pouco de amor. não meu amor, aquele amor próprio, porque esse eu tenho até que bastante. eu falo do amor que entra pela janela num domingo calmo e manso. falo de um amor sereno, onde eu não precise nem deva cobrar nada. amor que nasce espontâneo, em pé de oliva. amor que vem de um ser humano que viu em mim uma oportunidade de crescer. eu queria ser essa pessoa que cresce também.
3. você foi ferido por alguém e acaba levando isso pro relacionamento seguinte. o outro, por sua vez, também ferido, acaba por colidir com você na medida em que fora machucado. vocês brigam enquanto fazem planos para viajar porque você lembra que seu ex queria muito que desse certo aquele final de semana no litoral. vocês discutem porque as mensagens no celular não chegam e isso te cheira a desprezo e desinteresse. "meu ex era assim", você sussurra a si mesmo enquanto se controla para não dizer nada. você se enche do trauma que alimenta sem nem perceber. uma crise de ansiedade desperta no topo do vulcão. você chora. descarrega isso nele. ele não entende. vocês brigam. há espaço. o vazio protubera. a conexão se esvai de novo. fim.
4. você termina essa conexão para dar lugar à outra e assim todo mundo vai se esbarrando com pedacinhos do que são, migalhas mesmo. se você não consegue ser inteiriço com alguém, como este alguém vai amar todas as partes tuas? li hoje que para poder amar alguém, é necessário conhecer todas as suas partes. então pela lógica, o amor se expande se, mesmo conhecendo os traumas, resolve-se ficar?
5. você se entrega menos porque no passado alguém pisou em você. você acha que está sendo trouxa e um sinal apita na sua cabeça sempre que você tenta ser amável, generoso, gentil. então você cai no joguinho do não-interesse e do não demonstrar que está, sim, a fim daquilo. você mantém contato com outras pessoas, talvez porque assim você se assegure de que se não funcionar com um, o outro pelo menos te dá atenção, te responde rápido, te faz fagulhar. mas e as conexões? como você as nutre e as preenche de modo que suas relações não sejam vazias e superficiais?
6. eu sei que todos os meus traumas são o que me forma, mas que não são minha essência posto que outras pessoas implantaram isso em mim. então como uma flor, me permito crescer num rio sujo e sem cuidados, porque sei que a qualquer momento alguém pode olhar pra mim com o mesmo olhar que eu tenho: limpo. eu sei que meus traumas não são estruturas que me forçam a machucar outras pessoas e a projetar nelas toda minha frustração no amor. o amor não é uma migalha que você dá a alguém só porque este decidiu atravessar o seu caminho. uma relação não é um jogo de azar onde você escolhe aleatoriamente com quem dividir o papel higiênico, os banhos pela manhã, os filmes da netflix. relações são sobre o quanto você consegue ser honesto, generoso e leal: "já fui machucado, mas garanto que não irei reproduzir toda dor que me causaram em você". e mesmo que isso aconteça, ter alguém que te olhe com primazia e te conceda o gesto bondoso de dizer "tudo bem, eu vou permanecer contigo mesmo assim", como quem perdoa, é no mínimo incrível. e raro.
7. não seja essa pessoa que, não sabendo como administrar o que fizeram contigo, alastra seu desinteresse e irresponsabilidade afetiva nos outros. acabe com os ciclos. recicle-se para si mesmo.
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Com amor, Catarina.
Poetryesse livro é uma dedicatória a todos que já lutaram por algo ou alguém em que acreditam.