Vier

90 14 2
                                    

 Encerrado.

A primeira entrevista, primeira vez que seu rosto estava sendo exibido mundialmente. Maria apenas respirou normalmente depois de sair do auditório e se dirigir ao banheiro para trocar de roupa.

Estava se preparando psicologicamente para a enxurrada de críticas e jornais falando sobre a aparição da figura feminina arbitrando alguns jogos da Copa.

A garota encarou o seu reflexo no espelho, sabia de todo o esforço que a fez chegar naquela cidade, de todas as provas práticas e psicológicas, de todos se mostrando contra a escolha de participar de algo tão grande e que "não era o seu lugar".

Daqui a dois dias, teria o teste de VO2 que seria exibido ao vivo. Uma alternativa encontrada pelos diretores para mostrar que a garota não estaria atrás dos árbitros mais velhos e teria capacidade de correr com os jogadores.

Depois de colocar sua roupa confortável - sendo essa uma blusa branca simples com um short de malha-, dirigiu-se ao estacionamento para, finalmente, chegar no hotel e poder desabar na cama oferecida.

Enquanto cursava os primeiros anos de sua graduação, sentiu a necessidade de aprender novos idiomas para facilitar o seu sonho de viajar pelo mundo. Com cursos online e, muitas vezes gratuitos, tinha uma pequena noção de alguns idiomas mas tentava voltar para o inglês quando sentia que poderia ficar sem comer ou ser largada no meio da rua.

Amanhã partiria para o Qatar, a fim de se ambientar com o clima e se preparar para o teste. Falando em espanhol com o taxista que parecia muito interessado na opinião da sua passageira sobre algumas redes de fast food não oferecerem mais canudos descartáveis, fez o trajeto parecer menor que os quarenta minutos percorrendo Madrid.

Cumprimentou os trabalhadores do hotel e se dirigiu até as escadas, já que seu quarto estava no 4º andar e a mesma se sentia inquieta quando não conseguia tempo para treinar. Subia os poucos lances da escadaria e mandava mensagem para sua amiga carioca que estava acompanhando a transmissão e tentando entender um pouco do esporte.

Mariane nunca se interessou pelo futebol, mas queria entender o que a amiga estaria fazendo no campo e sentia orgulho da determinação da ruiva que deixou a sua pequena cidade do interior do Rio Grande do Sul para fazer os testes em Madrid, ser aceita, voltar e, após poucos dias, preparar uma mala maior para ficar alguns meses na Europa treinando.

A morena exigiu uma chama de vídeo após a gaúcha preparar um almoço – ou esquentar as marmitas congeladas que a mesma encomendava, pela sua dieta e pela falta do dom de cozinhar – para explicar cada comentário e a emoção de estar perto de grandes pessoas no ramo.

Arrumando as ondas em um meio coque, ligou para a amiga que apareceu instantaneamente na tela que começou a ser metralhada de perguntas.

"Você me liga apenas hoje? Se eu estivesse na Europa, iria mandar foto até mesmo do céu pra mostrar que não é o mesmo do Rio"

"Eu mandei a foto do gatinho que encontrei do lado do hotel, os gatos europeus são iguais os brasileiros" – zombou Maria, rindo da expressão de indignação da carioca.

"Mas você cala a boca, estou empolgada para saber qual será o seu primeiro jogo, consegui parcelar as passagens e irei viajar logo logo, me sinto péssima por ter que me aproveitar do seu quarto do hotel" – se lamentou a amiga que estava sofrendo com o calor eterno do Rio.

"Mari, já falei que não me importo! Conhecemos-nos a tantos anos, tu estás se dobrando por completo apenas para me ver correr e apitar, o mínimo que posso fazer é ajudar em algumas despesas e dividir o meu quarto."

"Eu posso ter a oportunidade de visitar várias cidades do Qatar, provar comidas diferentes, tentar aprender um novo idioma, viajar contigo e talvez conhecer uns grigos. O que mais eu poderia pedir?" – começou a citar e levantar os dedos, mostrando a realização de um sonho da mesma.

"TU NÃO EXISTE MESMO" – gargalhou da amiga que começou a frase tão bem e terminou falando dos homens de outro país.

"Ai garota, vou meter mão nessa tua cara deslavada quando te ver, agora preciso terminar os trabalhos para apressar tudo e poder viajar sem pensar nisso. Te amo, beijos!" – com um bico, a morena encerrou a ligação deixando Bibiana refletir sobre os próprios medos e o silêncio que se instalou no quarto.

Depois de arrumar as malas, decidiu responder alguns e-mails e terminar o dia assistindo algum filme para esquecer-se das responsabilidades da vida adulta. Assim, escolheu assistir "O Pianista" e terminou o dia com o rosto vermelho de tanto chorar, assim dormindo para a agitação do próximo dia.

like water • joshua kimmichWhere stories live. Discover now