Presa

8 0 0
                                    

                           ~Alice~

Ele vinha em direção a mim com uma tesoura de poda na mão. Era uma imagem assutadora, sem dúvida, e foi por isso que fiquei especada enquanto ele se aproximava a passo lento.

Quando chegou ao pé de mim observou-me de cima a baixo, deixando-me ainda mais nervosa, e disse:

- O que é que uma menina como tu anda a fazer por aqui a uma hora destas querida? - a sua expressão era uma mistura de raiva e doçura. Era uma expressão maníaca.

-Bem, eu ando perdida há alguns dias e precisava de ajuda para encontrar o caminho de volta para casa. Acho que estou consideravelmente longe. - dito desta forma, parecia que eu era uma personagem de um conto.

-Bem minha menina, acho que te posso levar a casa. Em troca de companhia para um cházinho. Que tal? - mais uma vez o seu tom de voz era extremamente estranho. Parecia uma doçura falsa. Mas a verdade é que ele me iria ajudar e por isso aceitei o seu convite.

Ele fez um gesto para que eu o seguisse e entrámos ambos na porta que dava para a mansão de cobre. O seu interior era ainda maior do que o seu exterior e não dava para acreditar. Aquela casa fez-me perder todo o medo daquele velhote. Era limpa, arrumada, arejada e assustadoramente espaçosa.

Ele indicou-me o caminho para a cozinha e desapareceu pela casa. Também a cozinha era inacreditável. Parecia um palácio. Se me dissessem que aquela casa se situava no meio de um bosque eu nem acreditaria.

Ele voltou com uma caixa com várias divisórias que tinha todo o tipo de chá que existe, acreditei eu. Alguns nunca tinha visto e outros, mesmo já tendo, pareciam ainda mais requintados.

Ele abriu o armário e tirou um recipiente de metal, no qual colocou água. Ligou o fogão e colocou o recipiente sobre o primeiro bico, deixando-o lá para que a água fervesse. Em minha casa não fazíamos aquilo. Em minha casa tinhamos um fervedor eléctrico que até dava muito jeito.

- Bem, enquanto a água ferve eu vou lá acima buscar uma coisa. Se precisares de alguma coisa entra na terceira porta da direita. - disse ele serenamente, enquanto saía da cozinha.

Acenei com a cabeça e ele desapareceu mais uma vez naquela grande mansão. Fiquei quieta, sentada numa cadeira à espera que ele voltasse, mas bem podia esperar. Ele nunca mais voltava. A certo ponto a água começou a ferver de tal forma que salpicava para todo lado e tive medo de me aproximar do fogão.

Deixei que toda a água fervesse e saltasse para todo o fogão, escondendo-me atrás da mesa, para não me queimar. Não havia meio do senhor aparecer. Passou quase meia hora quando a água parou de salpicar e eu me aproximei para desligar o fogo.

Estava sozinha na cozinha, sem chá. E a água borbulhava por todo o chão da cozinha. Porque é que aquele velhote não aparecia para limpar aquela desgraça?

Esperei mais um pouco mas já estava farta de esperar. Saí pela cozinha, indo dar ao hall de entrada e espreitei pelas escadas, tentando ouvir barulho ou ver algum sinal do proprietário daquela residência.

Nem um ruído. Comecei a subir as escadas segurando o corrimão e no seu topo havia um longo corredor, típico de uma casa moderna, requintada. Terceira porta à direita, fora o que o senhor me tinha dito.

Segui em frente, passando pela primeira: um quarto de casal, provavelmente dele e da sua mulher. A cama era de uma cor creme que podia deixar inveja a qualquer um. Aquela era uma típica casa de filme. Com dois andares, extremamente espaçosa e com uma decoração moderna e chique.

Na segunda porta havia uma casa de banho cujas paredes estavam repletas de azulejos azul pastel. Alguns tinham desenhos de flores. Tinham um aspeto caro, tal como muita coisa naquela casa.

Chegando à terceira porta e espreitei. Era um quarto de arrumações. Era muito estreito e escuro e não parecia ter ninguém dentro por isso dei um passo em frente, sendo tapada pela sombra daquele pequeno compartimento.

De repente sinto-me ser agarrada pelo pescoço por um braço magro, que me apertou intensamente, dificultando a minha respiração. A minha boca foi tapada por um lenço branco, atado à minha nuca, que só piorou a situação.

Depois fui empurrada para o chão da divisão, batendo de cabeça no chão duro e frio e a porta à minha frente fechou-se violentamente. Embora estivesse zonza pude ver perfeitamente quem me empurrara: o velhote de cicatriz na cara.

Levantei-me e bati com os punhos na porta com toda a força que tinha, gritando por ajuda, mas sem sucesso. Estava presa. Estava trancada no quarto de arrumações da casa de cobre.

Quase tive um esgotamento nervoso. Já não me chegava estar perdida, longe de casa, num bosque imenso, ainda me acontecera uma coisa daquelas. Não podia acreditar. E agora? O que é que ia acontecer depois? Ia ficar ali para sempre?

Consegui pensar em mil e um cenários. Dos piores que podia imaginar. O que é que aquele homem iria fazer comigo? Lacrimejei. Ficaria trancada no escuro por quanto tempo?

Comecei a entrar o desespero. Sentia que o oxigénio me faltava. Iria alimentar-me de que? Trar-me-ia água frequentemente? Será que algum dia poderia voltar a ver a luz do dia?

O medo e o pânico subiam-me à cabeça à velocidade da luz. Queria, mais uma vez, que tudo fosse um sonho. Queria acordar de um coma no hospital e entender que tudo não passara de uma ilusão.

Mas isso seria iludir-me. Ficaria fechada naquela casa de cobre para sempre. Os meus pais nunca voltariam a ouvir falar de mim, nunca me voltariam a dar um beijo de boa noite.

Tudo na minha vida estava destinado a correr mal e já tinha consciência disso. Os meus pensamentos alagavam os piores pressentimentos que alguma vez tivera na vida. Naquele escuro e vazio quarto.

Little AliceOnde histórias criam vida. Descubra agora