A verdade

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                         ~Alice~
Seguimos pelo bosque, desta vez preparados para passar uns bons dias na rua, era bom ter arranjado companhia. Era a única coisa boa no meio de toda a tragédia que me acontecera. Os meus pais estavam de certo preocupadíssimos.

No plano de fundo da minha visão consegui distinguir uma estrutura que me era familiar. Aquele vermelho vivo era inconfundível no meio de todo o verde que me rodeava: era o estábulo no qual o Artur trabalhava.

Fomos exatamente em direção a eles, conversando:

- Artur já está na hora de me esclareceres algumas dúvidas, não achas? - Peguei-lhe na mão por impulso, mas larguei-a logo, virando-me para ele. - Por favor!

Ele assentiu com a cabeça. Estava a pedir-me que tivesse calma, mais uma vez. Caminhámos até à vedação do terreno no qual estava plantado o estábulo e demos a volta até ao portão, não sei bem porquê, a rede era facilmente trepada e saltada.

O Artur abriu o portão e assobiou. Foi uma cena linda: as ovelhas correrram todas em direção a nós e saíram portão a fora, livres. Corriam alegres aos pulos umas atrás das outras e sorriam-nos desejando-nos uma boa tarde.

Entendi o porquê de ele o ter feito. Estava de partida e não deixaria os animais que criou ali fechados, não os deixaria ali para serem mortos para que o seu arrogante pai os comesse. Eram também amigos dele e, por muito que queiramos manter os amigos para nós, temos de os deixar ser livres.

Depois segui-o até ao estábulo. Ele libertou os cavalos e virou-se para mim:

- Sabes andar de cavalo? Seria muito mais rápido se fossemos neles até a alguém que nos pudesse ajudar. Mas caso não saibas, ensinar-te tomaria demasiado tempo, mais vale ir a pé, nesse caso. - fez-me um sorriso de orelha a orelha, esperando a minha resposta.

- Desculpa Artur, não sei andar de cavalo... - fiquei ligeiramente desiludida comigo mesma, ter cavalos como meio de transporta seria uma ajuda fantástica.

- Não há problema. - soltou os cavalos e também eles correram para os bosques. Ninguém sabia o seu destino. Nem eles mesmos.

Depois fomos na direção que eu tomara para encontrar aquele terreno, em direção à estrada.

- Está bem Alice. Vou contar-te tudo, desde o início. - disse ele numa voz ligeiramente mais grave que o normal. - Eu era consideravelmente pequeno quando a minha mãe abandonou a nossa família, deixando-me com o meu pai. Foi um choque muito grande, sem dúvida alguma e o meu pai sentiu isso na pele. - baixou a cabeça, olhando para os seus sapatos velhos e desgastados.

- O meu pai não tinha trabalho e por isso em pouco tempo começámos a acumular dívidas. Ficámos sem casa e o meu pai não podia permitir que eu vivesse a minha infância como um mendigo. Assim tomou a mais péssima decisão da sua vida.

- Assaltou uma joelheria. Roubou pertences e dinheiro, só que, tal como todos os ladrões, ele iria acabar por ser apanhado e por isso comprámos aquela mansão no meio do bosque. O meu pai nunca pôde sair do perímetro da casa, no máximo ia até ao terreno das ovelhas, porque receava ser visto e ir preso.

- O isolamento deixou-o louco. A partida da minha mãe, o assalto e o isolamento deixaram-no maluco. Tornou-se numa pessoa violenta e moralmente imprópria, tornou-se na pessoa que te prendeu num pequeno compartimento.

-Foi assim que viémos aqui parar e é por isso que eu trabalhava no estábulo e o mau pai no seu jardim e era também por isso que sempre fui eu a ir à vila fazer compras para casa, porque o meu pai era procurado.

-O meu pai já não é a pessoa que eu conheci em criança, não é o mesmo. Ultimamente tem tido ataques de raiva. É violento e rude para mim. Por isso comprei tranquilizantes na farmácia, com uma receita médica falsa, para o caso de emergência.

A minha única reação era choque. Quem poderia imaginar que "o meu pai não gosta de estranhos" iria revelar ser toda uma história pautada por tragédia e dor. Conseguia sentir a sua dor, emanava do seu corpo triste e melancólico.

- Está tudo bem Alice, não quero que sintas pena de mim. Agora temos um novo objetivo: levar-te de volta a casa. - olhou para mim com um olhar confiante e eu acenei com a cabeça. Ele tinha razão.

- Mas então e o que é que vamos fazer? Tens algum plano? - perguntei, caminhando sobre a relva fresca daquele grande bosque.

Ele tirou um mapa do bolso, removendo o elástico que o mantinha enrolado e abrindo-o, tapando-me o sol.

- Nós estamos aqui Alice, ali era o estábulo do meu pai. A vila é a uns kilometros daqui, seguindo pela estrada que separa o bosque. É um caminho fácil, sempre a direito, devemos estar lá num dia, mais ou menos. - fechou o mapa e guardou-o na mochila que trazia às costas.

Caminhámos até à corrente de alcatrão que me levaria até casa e virámos à nossa direita, absorvendo a radiação solar que atravessava o cabelo e que me queimava o pescoço.

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⏰ Última atualização: Mar 07, 2019 ⏰

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