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                                                             –  Wendy


           Sempre adorei observar paisagens e fotografá-las. Contudo, tinha uma queda por montanhas. Talvez fosse pelo facto de conseguir vê-las desde a janela da minha casa, talvez não. Mas, de qualquer das formas, elas fascinavam-me. A sua cor mudava ao longo do dia devido à luz solar ou luar e a sua beleza continuava única e de tirar a respiração. Encontrava paz de espírito apenas olhá-las.

           O meu pai era fã desta minha paixão por montanhas, e adorava também ver as fotografias tiradas por mim, já a minha mãe pensava que era completamente estúpido e absurdo.

          A minha antiga rotina diária consistia em levantar-me da cama, ir para a escola, fazer algum trabalho e depois retornar, caminhando até este sítio onde vivo agora. Antes não era minha propriedade, era apenas uma antiga cabana abandonada. Quando acabei os meus estudos, decidi arranjar um sítio para viver. Queria ter as minhas próprias responsabilidades. Consegui transformar esta velha cabana num lugar bonito, confortável e onde é seguro viver e, sinceramente, sinto-me mais feliz que nunca, embora esteja sozinha. A cidade fica apenas a alguns quilómetros daqui, por isso, consigo perfeitamente andar até lá sempre que necessito.

           Podia considerar-me solitária, contudo, sinto-me completamente em casa, ao pé da Natureza. Todos os seres que aqui habitam são meus amigos.


           Encontrava-me neste preciso momento a observar a paisagem que ficava por detrás do vidro da minha janela. O meu corpo estava enrolado numa manta quente e a minha mão agarrava uma chávena de chá. O tempo estava calmo, mas nevava lá fora. Decidi sair de casa. Respirei fundo, bebi o resto do meu chá, e caminhei até à porta de madeira escura, rodando a maçaneta após alguns segundos. Uma brisa de ar fresco foi de encontro ao meu inofensivo corpo, o que me fez abrigar na manta de uma melhor forma.

           Quando dei dois passos em frente, algo captou a minha atenção. Um corpo a dirigir-se para a ponta do penhasco, sentando-se depois no mesmo. Um trémulo suspiro escapou dos meus lábios e ganhei coragem para andar até ele. Consegui reparar nos seus cabelos loiros, que espreitavam por entre o gorro que ele usava.

           Aproximei-me mais um pouco e consegui ouvir as palavras que ele murmurara para si mesmo.

           "É apenas isto que tenho que fazer. Salto e tudo fica melhor" – ele disse. Inspirei e expirei oxigénio duas vezes antes de me sentar ao lado do adolescente.

           "O que te traz aqui?" – perguntei. O rapaz ao meu lado olhou-me de imediato, com um olhar incrédulo.

           "Oh, que cliché. A sério que isto vai ser como nos filmes? Tento suicidar-me e aparece alguém magicamente para me impedir?" – ele revirou os olhos. Pude ver que eram uns pálidos olhos azuis. E o rapaz tinha feições imensamente bonitas.

           "Estou apenas a tentar ter uma conversa contigo" – ri-me – "Queres entrar na minha casa?" – convidei. Ele abanou a cabeça negativamente e levantou-se rapidamente, começando a andar para longe do penhasco, o que me levou a fazer o mesmo. Soltei outro suspiro trémulo, devido ao meu medo de alturas, e segui o loiro.

           "Sabes, a morte nem sempre é a solução, seja qual for o problema" – coloquei-me à frente do adolescente e ele apenas enfiou as mãos nos bolsos do seu casaco.

           "Não sei o que fazer com a minha vida. Acabar com ela é a escolha mais acertada a fazer neste momento" – respondeu-me.

           "Vamos fazer assim" – comecei por dizer – "Vens para minha casa e falamos. Depois disso, se ainda te quiseres suicidar, vais ter que me levar contigo" – finalizei. O loiro deu-me um olhar de desdém.

           "Está bem?" – questionei. Ele pareceu receoso mas acabou por assentir, sentindo que, desta vez, não tinha escolha. Conseguia perceber pela sua expressão facial que ele não tinha esperança. Ele só conhecia o lado escuro do mundo, mas teria que aprender a ver o lado brilhante do mesmo.

           "Está bem" – revirou os olhos. Peguei na sua mão e ele estremeceu devido ao meu toque. Encaminhei-nos até à minha adorada casa, e, assim que entrámos lá dentro, fechei a porta. Aqui não estava tanto frio, felizmente.

           "Podes começar por me dizer o teu nome" – disse baixinho, puxando-o comigo para que nos sentássemos no sofá. O rapaz pareceu-me um pouco tímido e desconfortável. Com a iluminação que tínhamos, podia ver que ele tinha um rosto esbelto e angélico. Ele era um lindo ser humano.

           "Luke" – engoliu em seco, olhando em volta – "Tu?"

           "Wendy" – declarei com um pequeno sorriso – "Como no filme do Peter Pan" – após a minha referência ao filme, consegui ver os lábios do adolescente a curvar-se num curto sorriso.

           "Ias mesmo saltar do penhasco?" – olhei para a janela e de seguida para os olhos azuis de Luke, que escondiam tristeza e medo.

           "Pretendia fazê-lo, sim" – encolheu os ombros – "Porquê? Ias parar-me?"

           "Pretendia fazê-lo, sim" – repeti a sua frase com um sorriso provocador.

           "Bem, eu aprecio a ajuda" – começou por dizer – "Na verdade, não aprecio, mas..." – fez uma breve pausa, aproveitando para brincar com o piercing labial que tinha – "Porquê passar mais um dia miserável num mundo miserável? Além disso, sou um caso perdido"

           "Ninguém é um caso perdido" – respondi rapidamente – "Não faças isto a ti mesmo, não vale a pena"

           "A sério que pensas assim? Meu Deus, o teu positivismo enjoa-me" – esfregou as maçãs do seu rosto – "Dá-me apenas uma boa razão para não saltar daquele penhasco"

           Permaneci em silêncio, a tentar pensar numa única boa razão que fosse extremamente importante, mas não consegui encontrar apenas uma. Existiam várias.

           "Bem me parecia" – Luke respirou fundo após alguns segundos.

           "Doze" – o meu olhar finalmente encontrou o seu.

           "Doze?" – uma expressão confusa plantou-se no rosto dele – "Doze o quê?"

           "Doze razões" – um sorriso aflorou-se nos meus lábios – "Posso dar-te doze razões para continuares a viver"

           "Apenas te pedi uma..." – ele franziu a testa.

           "Eu sei disso" – afirmei, estendendo-lhe o meu dedo mindinho – "Mas dar-te-ei doze razões porque mereces"

           O rapaz à minha frente ficou a olhar para mim e para o meu mindinho durante alguns segundos, ponderando se devia ou não aceitar a minha proposta, e, com receio, acabou por entrelaçar o seu pequeno dedo no meu.

           "Posso confiar em ti?" – Luke perguntou, olhando-me nos olhos. Fitei-os com atenção, antes de entreabrir os lábios.

           "Não tens escolha" – dei um meio sorriso.

           E foi neste sítio, – com o meu mindinho entrelaçado no dele, – que eu decidi que não iria deixar este rapaz, que mal conhecia, acabar com a sua vida. 
  

Faible ➤ Luke Hemmings [Short Story]Onde histórias criam vida. Descubra agora