Parte 1/10 - A Escada em Espiral

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Ouvi o som daquele lugar antes de sequer poder vê-lo.

No início era apenas um som abafado, ecos de batidas lentas e graves vindas de instrumentos modernos, agitadas e calmas ao mesmo tempo, e a música evoluiu para um chamado constante, irrecusável.

Estava escuro, mas conforme o som insistia, uma luz âmbar foi iluminando o que me aguardava. Havia degraus de escada que me levavam para baixo, em espiral, na direção da música. Atrás de mim, a escuridão ainda me encarava, me encorajando a seguir em frente. O desejo de descer foi crescendo. Dei um primeiro passo e percebi com felicidade dormente que o som aumentava, não precisava ter pressa. As cores foram mudando, primeiro o ambiente ficou novamente escuro, e depois luzes coloridas dançaram loucamente pelos degraus.

Música eletrônica.

Eu descia em círculos, a escada parecia não ter fim, era de madeira circundada por um corrimão, mas a cada passo ela não soltava nenhum ruído, e mesmo que o fizesse, a música também abafaria isso. Eu ansiava pelo som. Pelo volume cada vez mais alto.

Percebi vagamente que usava um vestido de festa, as luzes começaram a dançar nele também. Cheguei aos últimos degraus e toquei no corrimão quando finalmente pude ver o ambiente em que me encontrava. O salão era amplo, os globos e holofotes de luz lançavam seu show sobre as pessoas que dançavam, à esquerda havia mesas onde poucos estavam sentados, e mais à frente pude distinguir uma espécie de bar.

A música dominava tudo agora, cada batida vibrava em meu tórax.

— Ei! Olha lá a recém-chegada – gritou alguém na multidão dançante, erguendo um copo de bebida na minha direção. – Vem dançar com a gente, ruiva!

Desci os últimos degraus e me juntei a eles no mesmo ritmo, eu não precisava de convite, meu corpo soube o que precisava fazer, movimentando-se em harmonia com o som. Eu não fazia ideia de onde viera, de quem eu era, ou como chegara ali, e não me importava. Tudo o que importava eram as ondas sonoras que embalavam a existência. Eu queria ficar ali para sempre... sempre... sempre. Cada palavra ecoava em minha mente no mesmo compasso.

— Está com sede? – perguntou o homem que havia me chamado, estendendo o copo de bebida.

— Sim – menti, mas um gole parecia tão atraente.

Bebi e senti o sabor do álcool descendo em espiral, devo ter feito uma careta por causa do gosto forte, mas minha mente ficou ainda mais leve. A realidade se dissolveu um pouco mais.

Estendi o copo para o sujeito, na intenção de devolvê-lo, mas quando ele ergueu a mão para pegá-lo ela desapareceu, como se tivesse evaporado. O barulho do copo caindo no chão foi quase totalmente abafado pela música. O homem olhou com indiferença para onde antes sua mão se encontrava.

Alguma coisa naquele ato – a mão que desaparecia antes que eu pudesse alcançá-la – despertou algo dentro de mim, um... sentimento. Mas o efeito passou e voltei ao entorpecimento de antes.

— Opa... parece que vou ter que pegar mais bebida com essa aqui – ele disse, erguendo a outra mão. – Espera aqui, gata.

Eu ri sem saber o porquê. Ele se afastou em direção ao bar e percebi que uma parte do abdômen dele também não estava lá. Dei de ombros e voltei a dançar.

Não saberia dizer quanto tempo eu estive ali, deixando que as luzes e a música preenchessem todos os sentidos. Para qualquer lado que eu olhasse havia pessoas dançando, a maioria parecia ser jovem, mas também havia alguns mais velhos. Todos eram como vultos na confusão de cores e sombras. E eu era como eles. Às vezes via alguém que tinha partes faltando ou que estava desaparecendo. Vi a perna de um homem desaparecer enquanto ele dançava, mas ele continuou como se nada tivesse acontecido. Havia uma garota loira de cabelos curtos cujo pescoço parecia ter desaparecido em uma tira completa.

A Cidade do SilêncioOnde histórias criam vida. Descubra agora