Parte 10/10 - Empatia

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Por muito tempo eu estive presa.

E ali, revisitando minha antiga lembrança, eu percebia que o momento em que eu fiquei sem reação no hotel de Morfélia não tinha sido o único em minha vida. Enquanto os garotos tiravam sarro de mim, eu tentava a todo custo me esconder em algum canto da minha mente. Tentava não demonstrar nenhum sentimento. O som da risada deles me fazia querer suprimir minha existência, eu não queria sentir nada, porque tudo que eu sentia era nojo de mim mesma.

Naquele tempo, mesmo sem saber, eu desejava o Oblívio.

― Olha só como ele nem disfarça – disse um dos rapazes. – Acho que ele tá sentindo tesão.

O que esfregava a mão entre as pernas riu ainda mais alto e disse:

― Quer dar uma chupada, Eliezer?

Quando ele disse isso alguma coisa borbulhou em meu sangue. Algo que eu não consegui controlar. Eu senti a raiva possuir cada célula do meu corpo. Senti meus dentes trincarem. Eu não era mais forte do que eles, então peguei minha mochila e avancei para o que não parava de esfregar a mão entre as pernas. Usei toda minha força para fazer a mochila descer sobre sua cabeça. O impacto foi forte e por um momento ele pareceu ficar tonto e cambaleante.

― FILHO DA PUTA! – gritou o outro, me empurrando para a parede.

Ele meteu um soco em meu olho que já estava inchado e senti meu rosto explodir em dor.

O garoto mais forte se recuperou rapidamente e também veio para cima de mim, ele me empurrou com ainda mais força e caí no chão frio do banheiro.

― Seu verme... desgraçado – ele dizia no intervalo entre cada chute que me dava. – Seu animal.

Agora os dois me davam pontapés enquanto eu me encolhia e tentava proteger meu rosto com as mãos. Não sei quanto tempo aquilo durou, mas em algum momento eles cansaram e pararam.

― Ei, acho melhor voltar para a sala antes que alguém apareça.

― É, não quero me encrencar por causa desse bostinha – senti ele aproximar o rosto do meu até sentir sua respiração: – É melhor você não contar que fomos nós, senão você vai ficar muito fodido.

E me presentando com um último pontapé na barriga eles saíram pela porta do banheiro.

Eu continuei ali, em posição fetal, sentindo os hematomas ficarem roxos por todo o corpo. Tudo que eu queria era desaparecer. Tudo que eu queria era ser esquecido. Me arrastei até um dos boxes e fechei a porta bem a tempo, porque naquele momento alguém entrou no banheiro. Eu não queria que ninguém me visse naquele estado e fiz o possível para que a pessoa não notasse minha presença.

Meu rosto estava úmido de lágrimas mesmo eu não lembrando de quando havia chorado. Eu ainda estava suprimindo todos os sentimentos. Encolhida dentro do box eu fazia o possível para que nenhum pensamento viesse a mente, era melhor assim. De modo que mal percebi quando a pessoa no banheiro saiu. Eu fiquei uns bons minutos vegetando. Apenas um corpo sem essência, morto por dentro. Mas em algum momento a dor pelo corpo foi ficando muito forte, e lembrei de pessoas que haviam morrido com hemorragias internas.

Aquilo me tirou do estado vegetante e comecei a sentir medo.

Abri a porta do box devagar e me apoiei nas pias, olhando meu reflexo no espelho, ainda mais acabado do que antes. O rosto sangrando, os cabelos vermelhos desgrenhados. No fundo, bem no fundo, eu tinha medo de morrer. Eu não sabia explicar, mas eu tinha a sensação de que havia algo dentro de mim pelo qual ainda valia a pena lutar. Eu não queria morrer. Eu não queria!

A Cidade do SilêncioOnde histórias criam vida. Descubra agora