Quando meus ouvidos se acostumaram ao novo ambiente, pude distinguir um burburinho que parecia preencher todo o local em que me encontrava, cheio de preces e orações. Abri meus olhos e vi fileiras de bancos abarrotados de pessoas sentadas ou ajoelhadas, à minha esquerda havia uma escada que descia em espiral por uma abertura escura no teto, e lá na frente alguém vestido com uma túnica branca parecia estar lendo algo acima de um altar.
Eu estava em uma igreja.
Levantei e me afastei da porta, a criatura lá fora parecia não querer me seguir até ali. Caminhei para a esquerda, próximo de um lugar vago em um dos bancos.
O lugar ecoava com as orações baixas e incompreensíveis das pessoas nos bancos, eu percebi o feitiço naquele som, chamando para me juntar a eles. Olhei para meu vestido de festa e algo da minha antiga vida me disse que aquela não era a roupa ideal para estar naquele local. Sentei em um lugar vago que havia no banco.
— O nosso criador é apenas um – disse uma voz calma que vinha do altar, ecoando pelo salão –, portanto, oremos a ele para que sejamos arrebatados e salvos do pecado. Pois somente ele tem a sabedoria e misericórdia infinita.
— Amém — disseram em coro as pessoas nos bancos.
A lamúria de sussurros aumentou quando ele parou de falar. Vi que todas as pessoas estavam de olhos fechados, as mãos unidas em prece. A mulher ao meu lado estava ajoelhada e estava concentrada em sua própria oração, ela tinha uma parte do tórax repleta de escuridão, desaparecendo. Tive vontade de me ajoelhar também e participar daquilo, parecia errado não fazer isso. Olhei para o sacerdote no altar, ele tinha o rosto fino, os cabelos cinzas e curtos, e embora a túnica escondesse, eu sabia que possuía dois braços em cada lado. Era muito parecido com Satayash. Havia pessoas menores ao redor dele no altar, mas todas eram como ele. Minha boca se movimentou em uma prece, implorando por um perdão que eu não sabia porque pedia.
Minhas lembranças! Eu estava ali para recuperar minha memória. Não podia me entregar ao som novamente.
Levantei do banco subitamente e passei a mão sobre os olhos enquanto tentava me situar. Olhei para a escada em espiral próxima de onde eu estava e tive uma ideia. Levantei e fui até ela, subi alguns degraus na intenção de poder ver o ambiente de um lugar alto, assim era mais fácil encontrar algo brilhando com uma luz dourada. O desapontamento veio quando a única coisa que vi foram pessoas desaparecendo.
Em torno do salão havia estátuas de figuras que eu não conhecia ou não lembrava, assim como os vitrais coloridos nas janelas que emitiam uma luz que eu sabia que não vinha de fora. Nos fundos do altar havia um papel de parede que mostrava um céu azul com poucas nuvens, inalcançável, surreal se comparado ao negrume que havia lá fora. Talvez não houvesse nenhuma lembrança ali para mim. Talvez eu não frequentasse esse tipo de local quando viva.
Eu já não sentia vontade de me juntar àquelas pessoas, aquele feitiço era mais fraco sobre a minha mente. Na verdade, todo aquele murmúrio de orações estava me deixando perturbada.
Quase caí da escada quando alguém logo atrás esbarrou em mim. Virei-me e vi uma garota de cabelos ondulados, usando uma roupa simples e saias. Uma recém-chegada. Seus olhos castanhos estavam inexpressivos, enredados pelo chamado do som das orações. Por um momento ela piscou e me encarou:
— Me desculpe, eu não vi você.
— Não foi nada – eu disse, dando espaço para ela passar.
Olhei para ela enquanto se afastava, parecia muito jovem, o tempo todo ela segurava algo que estava pendurado em um colar em seu pescoço, como se aquilo lhe desse segurança. Sentou-se no banco onde eu estava antes.
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A Cidade do Silêncio
ParanormalElie está morta, só ainda não sabe disso. Sem memória sobre quem foi ou como chegou naquela boate estranha, ela mal repara que as pessoas ao seu redor estão desaparecendo enquanto dançam. Mas algo de sua antiga vida a chama. Um chamado que, para el...