Complexo de segundas intenções

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- Xeque.

- Você não pode fazer isso, a Rainha não se movimenta desse jeito.

- A Rainha é a Rainha, ela faz o que ela quiser – resmunguei, já entediada. – Xeque.

- Ela faz o que as regras permitem, Alex – retrucou. – E isso não está nada certo, pode voltar e jogar de novo.

- Eu me recuso!

- Então eu não jogo mais também – ele, num ato desesperado e leve movimento de mãos, deu um fio a partida: morte ao Rei.

- Kim Taehyung, eu não acredito! – E eu, em um ato consciente e furioso, derrubei todas as suas poucas peças restantes, deixando o Rei por último, para que ele sentisse a dor que eu estava sentido por ter perdido todo o meu exército. – Meus cavalos morreram em vão!

- Você não sabe jogar xadrez, a culpa não é minha.

- Você é um péssimo professor!

Levantei-me do chão e joguei minha almofada em seu rosto. Eu estava furiosa, sou muito cautelosa em jogos, meu pai não me ensinou para perder e Namjoon não desenvolveu em mim um saudável espirito competitivo. Jogos para mim são vencer ou vencer, é matar ou morrer, eu não sou boa em morrer. E quem é?

Pensando melhor e analisando meu histórico familiar e comportamental, definitivamente não foi uma boa ideia usar jogos de tabuleiro como meio de estreitar os quase inexistentes fios de amizade que existem entre Kim e eu. Além do mais, a ideia foi dele: ele realmente achou que isso daria certo? Somos muito competitivos e intensos, um duelo entre nós é como oxigenar uma fogueira em uma noite escura em uma floresta; pela manhã, não existirão árvores ou sequer uma estrela para contar a história.

Nossa jornada de empatia data desde o dia em que ele foi me buscar no cinema, a pé, para que voltássemos juntos para casa, também a pé, o que foi verdadeiramente uma loucura. Ainda assim, houve um lado positivo: nós passamos um bom tempo conversando e chegamos à conclusão de que não precisamos tentar nos matar a qualquer situação, nós podemos transformar o "morar" de "morar juntos" em um sinônimo para viver.

Eu estava tentando ser menos, digamos, sensível em relação às um milhão de coisas que me incomodam em Kim – eu tenho estado bem menos estressada por conta disso, sinto até um lampejo de esperança fraco e trêmulo no limiar de um provável fim de túnel. Como eu disse, é tudo muito incerto.

- Vou pedir comida, você quer? – Sua voz chamou minha atenção enquanto eu mexia no celular despreocupada, esparramada no sofá e brincando com uma das peças com as pontas dos dedos do pé.

- Quero sim.

Sequer me dei conta de que perguntei o que era, aceitei porque pareceu o mais fácil a se fazer. Depois de desligar o telefone, Taehyung retirou minhas pernas folgadas do sofá e se sentou no lugar agora desocupado, procurou o controle entre as almofadas amontoadas abaixo de nós e ligou a televisão em um drama de época, não sem antes passar por um canal que passava um dos filmes da trilogia do Homem Aranha, meu herói favorito.

- Volte lá, volte lá! – Em um movimento rápido, girei meu corpo e me coloquei ao seu lado, quase sobre ele, tentando tirar o controle de suas mãos ou ao menos fazê-lo voltar para o canal.

- É meu horário de ver televisão! Sai para lá.

- Mas é o Homem Aranha!

- É uma reprise do meu drama favorito! – Taehyung, como a síntese de uma garota estereotipada que é, fez um bico manhoso estranho e piscou os olhos excessivamente, isso foi suficiente para eu me afastar com cara de quem comeu algo estragado. Ele sorriu e mostrou a língua. – Sabe, se eu tivesse escrito aquelas regras que você colocou ali, tudo isso seria bem diferente. Azar o seu que não me deixou ter participação nisso.

Os prós e contras do UniversoOnde histórias criam vida. Descubra agora