Após uma longa noite chuvosa, uma radiante e ensolarada manhã de sábado surgiu.
Um sábado por mês, o casal de noivos ia a um orfanato a fim de contar histórias para a garotada. Como uma pessoa politicamente correta, Salma importava-se com os menos favorecidos. Quando jovem, muitas vezes se sentiu acolhida por gestos beneficentes de outras pessoas. Heitor a acompanhava todas as vezes. Com o sorriso encantador, as monitoras do orfanato diziam que a presença dele as beneficiava muito mais do que às crianças. Era uma visão inspiradora, diziam.
Com trinta e quatro anos, alto, cabelos claros, corpo atlético e olhos esverdeados, de fato, era muito inspirador e atraente.
Quando iniciaram o relacionamento, ambos faziam um curso de curta duração em Nova York. Além deles, outros quatro advogados do escritório também aperfeiçoavam-se profissionalmente. Porém, por alguma razão, Salma despertou no rapaz uma atenção especial.
No voo de ida, ele fez questão de sentar-se ao lado dela. Apesar de conhecerem-se há mais de quatro anos, pouco se falavam. Talvez pelo fato de trabalharem em ramos diferentes: Heitor era criminalista; ela, tributarista. Além disso, a jovem era o que podemos chamar de pessoa tímida e introvertida, pelo menos no que dizia respeito a seus relacionamentos sociais. Ele, por outro lado, demonstrava-se sempre bem comunicativo e confiante.
Conversaram durante toda a viagem – horas suficientes para se descobrir bastante coisa a respeito de uma pessoa. A cada pergunta por ela respondida, o rapaz abria um doce sorriso de admiração.
Nos dias que se seguiram, fizeram companhia um para o outro durante as refeições e nos intervalos das aulas. O advogado insistiu em levá-la aos principais pontos turísticos da cidade, já que esta era a primeira visita da moça àquele lugar. Durante os passeios, conversavam sobre todos os tipos de assunto: música, esportes, cinema, direito e, em especial, sonhos para o futuro. As afinidades entre os dois vieram à tona: eram competentes no que faziam; desejosos em construir uma família; honestos e íntegros em suas ações, entre outras coisas.
Depois de uma semana de puro encanto, e prestes a retornarem ao Brasil, beijaram-se pela primeira vez em meio a um belo entardecer no Central Park.
Desde então, a vida solitária e vazia da advogada foi preenchida com intensidade. Passaram a trabalhar juntos em muitos casos e, em pouco tempo, tornaram-se noivos.
No orfanato, Salma afeiçoava-se às crianças com facilidade, e estas também a adoravam. Sempre sonhou em ter filhos, mas não descartava a hipótese de adotar alguns daqueles garotos, dois ou três, dizia.
Heitor também divertia-se bastante, sobretudo, quando jogava queimada com os meninos.
Ao término da manhã, foram a um restaurante próximo. Não estavam tão bem-vestidos, mas mesmo com a roupa manchada de bola e o rosto suado, ele ainda fazia uma presença estonteante.
Enquanto comiam uma massa italiana, ela perguntou com uma pulga atrás da orelha:
– Por que será que o dr. Victor nos convidou para jantar?
– Bom, acredito que seja para parabenizar nosso desempenho.
– Ora, mas ele nunca fez isso antes. Além disso, poderia nos agradecer no escritório ou então, com um belo aumento de comissão – falou, sorrindo.
– É verdade! – sorriu também. – Acho que você é uma pessoa especial para ele. Sinto que tem grande admiração e afeição por você.
Salma recostou-se na cadeira, deixando sua cabeça pender para trás, o que ressaltou seu pescoço fino e comprido. Soltou o ar pela boca, que aliás, estava bem aberta, e depois, o encarou como se tivesse ouvido a coisa mais absurda do ano.
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Virtus
RomanceSalma é uma jovem bem-sucedida, em uma fase excepcional da vida. Prestes a casar-se com Heitor, o homem dos seus sonhos, é escolhida para presidir o conceituado escritório de advocacia em que trabalha. Realizada afetiva e profissionalmente, não espe...