Capítulo 5 - A conversão de Najiha

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Marrocos, 1984.

A noite estava mais escura e tenebrosa do que de costume. Uma densa névoa pairava sobre a praia. Mal dava para enxergar os barcos atracados no pier. A brisa fria e arrepiante fazia o coração bater mais forte. Faltava pouco para sair a última balsa para Algeciras. Najiha precisava chegar ao porto antes da meia-noite. Era sua única chance de escapar para a vida... a vida que tanto desejava. Corria com todo afinco, sem olhar para trás... olhar para o passado e para as belas luzes de Tanger. Em suas mãos não havia mais nada além de um livro. Livro este que mudara sua existência.

Finalmente chegou.

Tentando disfarçar o medo e a ansiedade, característicos de qualquer fugitivo, estufou o peito e levantou os ombros como afirmação de autoestima, colocando o seu pequeno livro no bolso da sua Djellaba. Felizmente, as roupas marroquinas são largas o suficiente para alojar, sem denunciar, uma velha e rabiscada Bíblia.

Sabia que tinha de encontrar Zhor, o despachante de cargas do ferry boat, e a sua única alternativa de entrar na balsa, já que tivera seus documentos confiscados pela polícia. De longe, observava toda movimentação em volta da embarcação. Mesmo sem nunca tê-lo visto, foi-lhe dito que saberia quem era, assim que o avistasse.

Foi então que o desespero ameaçou dominá-la. São tantas pessoas! – pensou. Seria impossível achá-lo antes do barco partir. E o perigo de abordar alguém errado poderia ter consequências capitais.

Quando o medo estava para sucumbir-lhe as forças, viu um personagem nada comum na região, apesar desta ser o destino de toda sorte de estrangeiros oriundos dos cinco continentes. Caucasiano e forte, possuía quase dois metros de altura, vestia calça jeans apertada, uma camisa quadriculada, botas e cinto de couro. Na cabeça havia um chapéu de cawboy marfim, não costumeiro para os homens nativos. Estava com uma prancheta na mão dando ordens aos carregadores.

– É ele! – pensou – Só pode ser ele.

Respirou fundo e criou coragem para abordá-lo. Precisava entrar no navio o mais rápido possível. Esse era o plano. Cerca de 14 km a separavam da liberdade e do seu grande amor, Fred.

– Com licença, senhor. Me chamo Najiha. Informaram-me que teria um lugar vip para mim.

– Estava lhe esperando. Já ia fechar o portão. Aqui estão as chaves. O número é 7955-GBT. Você sabe o que fazer, não é?

Um guarda do porto que conferia os bilhetes dos passageiros, os interrompeu.

– Documentos e bilhetes, senhorita.

O coração de Najiha acelerou. Engoliu em seco, sem saber o que dizer. Fingiu procurar no bolso da sua roupa, enquanto pensava em uma boa justificativa. Foi então que a voz de Zhor trouxe alívio para sua alma.

– Ela já os mostrou antes. Você não lembra? – disse ele, num tom alterado.

– Não lembro. Mas tudo bem! O velho Zhor tem a cabeça melhor do que a minha. Tenha uma boa viagem.

Com as chaves na mão, percorreu o ferry à procura da placa. Estava lá, em algum lugar. Depois de alguns minutos, encontrou um Chevet italiano, azul-turquesa com placa espanhola, estacionado ao fundo da embarcação. Chegara a parte mais difícil da viagem: entrar no porta-malas e permanecer lá por quase duas horas. O carro em questão era de uma empresa de aluguéis de veículos para turistas europeus que viajavam para o Marrocos. Alguns deles, eram deixados em Tanger para serem devolvidos à empresa, enquanto seus ex-locatários seguiam viagem para outras localidades.

Ao fechar o porta-malas, mergulhou na escuridão relaxante do apertado recinto. Enfim, um momento de paz. A porta do bagageiro não só a protegia da polícia, mas também de um destino que não queria para si.

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