Nietzsche: Dogmatismo

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Entender o pensamento daquele que mais influenciou o mundo ocidental contemporâneo parece ser difícil para alguns. Sem compreender o desenvolvimento da filosofia, dos gregos, passando pelo cristianismo, até a metodologia moderna, ficará parecendo que deparamos com um maluco, o qual solta frases polêmicas e de difícil compreensão.

Um fio condutor importante para nos familiarizar com suas propostas se encontra no livro; Para além do bem e do mal. Uma obra prima de Nietzsche, junto com Assim falou Zaratustra.

"o pior, mais duradouro e perigoso de todos os erros até aqui foi um erro de dogmáticos, ou seja, a invenção por Platão de um espírito puro e
de um bem em si" (JGB/BM Prefácio)."

A história da filosofia, como um sistema verdadeiro em si mesmo, o qual pretende falar sobre o mundo como um todo, começa em Platão.

Nietzsche vai dizer que a história da filosofia ocidental era a história do dogmatismo. Dogmáticos eram aqueles que desejavam fazer observações científicas sobre objetos, sem antes entenderem como funcionava a mente humana, sem conhecer os seus devidos limites.

Após Kant, influenciando Nietzsche, a filosofia crítica vai mudar o foco da investigação filosófica. Antes, o foco era o mundo eterno da lógica, sem levar em conta a capacidade intelectual humana e como o indivíduo recebe seu conteúdo racional. O dogmatismo vai ser justamente encontrado nas doutrinas que tentam ultrapassar os limites da experiência, como fizera Platão.

O Dogmatismo seria inimigo dos métodos empíricos, tão úteis dentro da ciência contemporânea. Uma espécie de ciência que abandona os dados do sentidos, confiada na lógica pura, em busca de objetos eternos e primeiros.

Nietzsche em sua atitude crítica, vai pensar que os tais dogmáticos utilizavam de argumentos ruins, com problemas lógicos, que nada tinham com a natureza da razão. Para ele, este tipo de conhecimento desejado pelos dogmáticos seria supraterrestre, não natural, longe das possibilidades humanas.

Por estudar bastante os pré-socráticos e o próprio Platão, Nietzsche percebe que nosso entendimento ocidental de" Verdade" e com isso nossos padrões morais, estão fundamentados em um erro lógico antigo. Uma doutrina, passada de geração em geração, que se confundiu com o cristianismo.

Esse erro é a concepção do "mundo das essências", onde a essência do Bem habita e nos ensina as "regras eternas". É a tão conhecida doutrina do "mundo superior", que o cristianismo propagou como o reino dos céus.

A lógica moderna acabou demonstrando que essa concepção de mundo continha absurdos físicos. Um destes seria a idealização da natureza, nos levando a acreditar em formas eternas como: "Amor e Bem".

A busca pelo poder estaria por trás de tantas doutrinas e não uma "verdade presente em um mundo superior".

Oswaldo Giacoia vai dizer em seu artigo: O Platão de Nietzsche,

"Nietzsche quer dizer com isso que com a crença na razão pura e no bem em si, o Sócrates platônico dá origem ao gesto metafísico por excelência, aquele que consiste na instauração e na consagração, como elementos matriciais do pensamento filosófico ulterior, da oposição 'idealista' entre sensível e supra-sensível, essa divisão fatal que põe fim ao 'realismo' dos antigos helenos, na medida em que implica e supõe uma desqualificação do sensível em proveito do inteligível, do temporal em função do eterno, do verdadeiro mundo em favor
do mundo somente aparente, do ser em contraposição ao vir-a-ser"

Assim o que Nietzsche define como dogma é a duplicidade do mundo, dessa desvalorização da natureza, pela idealização da mesma, em um mundo perfeitamente pensado, onde estariam os valores eternos, que moldariam a natureza.

O grande erro de Platão, dependente da doutrina do mundo superior, será o da invenção da Alma, do espírito puro, a qual confere a razão um papel independente do mundo natural.

Segundo Oswaldo,

"Evidentemente os pares antitéticos real-ilusório; verdadeiro-falso; idealismo-realismo só fazem sentido em mútua referência, de maneira que o discurso nietzschiano, pelo menos desde Para além de bem e mal, se apresenta necessariamente como um contra-discurso anti-platônico."

O Sócrates platônico seria, então, o responsável filosófico que, por meio da negação do mundo imanente, ou da natureza e da vida, realiza uma espécie de inversão na perspectiva cultural que julga e avalia as relações entre o físico e o metafísico.

Em Sócrates temos o especulativo, como fé inabalável na lógica e na dialética, essa hybris (orgulho) de uma razão pura que, guiada pela ideia de causalidade torna-se capaz de penetrar os abismos mais profundos da essência do Ser, não somente para conhecê-los, como também para corrigi-los.

Porém, já influenciado pelo desenvolvimento das Ciências Biológicas e da seleção natural das espécies, impulsionado pelo fracasso do idealismo de Hegel, onde a razão seria capaz de construir um mundo lógico, ele começa a considerar que, por trás de nossa doutrina moral, por trás de nossas concepções políticas, estava uma mera vontade de domínio.

Assim, o que Nietzsche busca em sua filosofia é um modo alternativo ao dogma do dualismo, de valorização da vida e da cultura, partindo desse mundo e da natureza e não de um mundo superior essencial, fugindo de discursos totalitários, para concepções de mundo que expressam a individualidade.

A visão de mundo proposta por Nietzsche é relacional e plural. Os antigos sistemas metafísicos, estavam presos a elementos fixos da realidade. Nisso se baseava o dogmatismo da filosofia anterior a dele. Como Platão, buscavam algo eterno para explicar o transitório. Em Nietzsche a instabilidade da natureza era essencial para entender a vida.

Enquanto a influência de Platão impulsionou filósofos em uma busca por algo eterno, Nietzsche propõe construir um sentido para a vida humana olhando para a natureza e suas histórias.Nietzsche tem como fundamento a noção do indivíduo humano, com sua perspectiva, seu ponto de vista e não em uma tentativa de se colocar dentro de um suposto mundo feito de essências.

Essa nova visão de mundo está fundamentada na interpretação, onde essa começa no indivíduo, como também tentou propor Kant. Um sujeito humano plural, possibilitando uma infinidade de cosmovisões, partindo dos mais diversos pontos de vistas. Antes, um filósofo, com sua atitude especulativa, tentava falar sobre um mundo imutável, que pudesse servir de fundamento para todos, agora todos expressam sua visão de mundo.

Costa Mattos vai dizer:

"Não se trata de uma necessidade universal da razão pura do eu penso, mas cada vez a vida do homem individual; e a perspectiva de explicação do mundo, pela qual ele decide sua filosofia"

É a saída de uma filosofia totalitária para uma plural, de algo abstrato para a valorização da vida.

De acordo com Costa Mattos, em Ecce Homo é possível entender a base filosófica de Nietzsche, ao comentar as situações históricas em que ele concebeu Assim falou Zaratustra:

"Ao nos falar sobre como concebeu aquela que considera sua principal obra filosófica, Nietzsche marca sua diferença em relação aos filósofos tradicionais, dogmáticos, justamente ao descrever vivências em coisas como climas e oscilações de humor."

Essa nova filosofia não irá partir de uma suposta razão pura, mas de um indivíduo que, além de ter a lógica, possui uma história, um corpo e uma fisiologia.

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