O Céu

111 7 0
                                    

  Na semana que se passou eu ia todas as tardes até a cela. Anne havia se fechado totalmente para mim, minhas perguntas amistosas eram respondidas pelo silêncio, pensei que ela falaria comigo e que estava começando a confiar em mim, mas sabia que tinhamos voltado a estaca zero e sabia que não restaria muito tempo para que Jack verificasse o progresso que havia feito, que era igual a nada. Naquela noite olhava para o teto, Anne havia ocupado minha mente totalmente naqueles últimos dias, aquele silêncio dela estava me deixando louco, não conseguia me concentrar em mais nada que não fosse a incógnita Anne que tinha que resolver. A noite estava fria e com um céu estrelado. Pensei em como ela devia estar nesse frio, claro que não a dariam nenhum previlégio, nem uma cama deram naquela cela, pensei o como me sentiria mal se estivesse naquela situação. Meu senso de humanidade aparecia em minha mente, fechei os olhos sabia que tinha que ir até a cela dela para ver como estava e se estava com frio, minha mente se dividia em saber se isso era o certo a se fazer. Tinha que fazer algo, ficar esperando Anne dizer alguma coisa não traria progresso algum.
Respirei fundo.
Eu ia até lá. So nao sabia como, guardas estavam por aí rondando os corredores. Me sentei na cama, não podia desistir assim, quem sabe aquela minha atitude finalmente fizesse ela falar comigo ou criar alguma confiança.  Teria que agir rápido, me levantei com um maior cuidado para pegar a mochila que estava no armário. Coloquei o cobertor dentro e sai rapidamente fechando a porta com cuidado, verifiquei o quarto e por sorte Stan roncava como uma serra elétrica o que fazia com que meus barulhos fossem imperceptíveis.
Olhei ao redor e não vi nenhum dos guardas. Aos passos leves e ao mesmo tempo rápidos procurava o elevador,  no entanto a escuridão dificultava isso. Uma luz veio em minha direção, olhei ao redor e me esguerei ao lado de uma estátua com armadura. A luz da lanterna parou, mirou ao redor e continuou o trajeto assim como eu. Andei até o elevador fugindo das luzes que me denunciassem. Entrei e fui até o andar dos prisioneiros.

  O silêncio era tanto que até minha respiração parecia alta o bastante para se ouvir. Parei na frente da grade principal e não havia ninguém para minha sorte. Coloquei o dedo no identificador que todos os caçadores eram registrados, a grade se abriu.

- Carl? É você? Demorou cara- vi uma silhueta alta vindo na minha direção, não sabia o que fazer, olhei ao redor sem enxergar nada a procura de algum esconderijo.

- Pode ficar no meu lugar agora? Preciso ir urgente no banheiro, você demorou muito- ouvi os passos próximos. Fui para perto da parede, ele passou por mim e ouvi a grade principal se abri e fechar. Como aqueles guardas eram idiotas, a segurança de madrugada ali era precária.  Tentei olhar ao redor para ver se algum guarda estava por ali, mas não vi ninguém. Passei por mais um identificador para abrir a grade de Anne. A sala era apenas iluminada pela luz que saia da pequena janela com grade no alto. Anne olhou para mim assustada.

- O que você está fazendo aqui?- disse baixinho.

- Visita noturna- fui tirando o cobertor da mochila. Ela me olhou novamente e soltou uma risadinha abafada.

- Essa é uma moda entre os caçadores?- olhei para meu pijama que, okay, era meio infantil e sorri também, tinha esquecido daquele detalhe. Me aproximei dela e sentei, o chão estava frio assim como as paredes. Coloquei o cobertor ao meu redor e deixei o espaço e disse.

- Venha!

- Não acha mesmo que vou dividir um cobertor com você?- me aproximei bem perto, não havia chegado tão perto. Seus hematomas já não eram tão visíveis.
  Ela me olhou confusa, mas não se afastou.

- Prefere ficar aí no frio?- indaguei.

- Por que não deixa o cobertor aí e vai embora?- disse desconfiada.

- Você é uma mal agradecida, sabia? Não acha que tive toda a dificuldade para chegar aqui e ir embora- retruquei. Ela ficou parada e finalmente se aproximou de mim e eu passei o braço ao seu redor envolvendo-a com o cobertor, ela estava fria, juntei mais nossos corpos, ela se afastou, mas depois cedeu a aproximação e me senti vitorioso quando ela encostou a cabeça em meu ombro, nossas respirações pareciam conversar.

- Por que está fazendo isso por mim?- Anne sussurrou.

- Só quero sua confiança- suspirei.

- Eu não posso confiar em você- pensei que ela iria se afastar, porém permaneceu no mesmo lugar.

- Não vou lhe fazer nenhum mal, eu prometo- ela olhou para mim e pude ver suas profundas olheiras que pareciam vim de dias sem dormir, nos encaramos, naquele momento eu não a via como uma bruxa que tinha que matar, mas sim como uma garota normal e linda.

- Como está o céu essa noite?-ela perguntou, desviei o olhar e olhei para o teto como se conseguisse ver o céu dali.

- Uma imensidão escura com uma infinidade de estrelas espalhadas que brilham sem fim. Uma coruja ao longe voa a procura de algo, a escuridão lhe traz segurança- ela observava o teto como se compartilhassemos do mesmo pensamento.

- Gosto de como você faz parecer infinito.

- E não é? Esse céu escuro e o brilho das estrelas está cobrindo alguém lá na África que pode está observando as mesmas estrelas ou até em outro planeta algum E.T está com uma namoradinha dizendo clichês e observando as mesmas estrelas e é o que as faz tão infinitas, todas as noites elas estão lá com a mesma intensidade observando a cada um de nós - permanecemos calados, sempre gostei das estrelas em particular, não como pontos brilhantes no céu, mas algo especial -Você consegue imaginar a infinidade de estrelas que há? A infinidade de distância que estamos delas? - ela me olhou.

- São como pontos de infinito- ela concluiu e concordei. Senti a corrente gelada me encostar enquanto ela se aconchegava em mim, a envolvi ainda mais. Encostei minha cabeça com a dela.

- Pode me descrever como é o mundo lá fora?- ela perguntou. Pensei um pouco, nunca havia pensando nisso.

- O mais complexo que você pode imaginar. No momento, só há silêncio misturado com roncos e sonhos. Alguns observam o céu, outros estam em algum bar ou em uma festa como se não houvesse amanhã. O castelo está calmo com vários pensamentos, sonhos e pesadelos espalhados por aí. 

- Onde está sua família?- ela interrompeu.
-Depende no que se refere a família.
- Seu pai?- perguntou.
- Deve estar em algum aposento real- disse com desdém.

- Como ele é?

- Um homem íntegro, com seus valores e próprias opiniões, se dedica demais a Ordem. Sabe o peso que carrega ao administrar um lugar tão grande - fazia tempo em que eu não o via.

- E sua mãe?- suspirei.

- Uma mulher doce, teimosa e muito forte, ela conseguia ser essas três coisas ao mesmo tempo, era uma maravilhosa caçadora- senti um aperto no coração, como se tivesse mexendo em uma ferida e logo percebi que estava abraçado a uma que a havi a matado.

- E onde ela está?- Anne perguntou. Fiquei calado por um bom tempo.

- Talvez tenha virado um ponto de infinito - e sorri olhando para o teto.

A DecisãoOnde histórias criam vida. Descubra agora