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Eu estava um porre. E me sentindo horrível. Nicole deu entrada na UTI um dia após ter saído do meu consultório, uma melhora notável em semanas para ser destruída em dois dias. Dois malditos dias em que ela sofreu cada segundo até morrer. E eu não poderia ter recebido notícia pior do que esta no final do meu plantão em uma sexta-feira ao entardecer. A morte e as doenças podem se tornar rotina na vida de um médico, mas sempre vão nos afetar de alguma forma, por esse motivo assim que saí do hospital fui direto para a academia, precisava esgotar meu corpo até conseguir esvaziar a cabeça.

Eu me sentia mal quando perdia um paciente e pior ainda quando isso me fazia lembrar Luce. E nem a música no último volume enquanto suava sem parar tiraram a voz dela de minha cabeça. Isso me deixava mais frustrado a cada minuto. A cada segundo meu dia só piorava.

Não fui para casa depois das duas horas de treino, tomei banho na academia e me arrumei no vestiário (eu sempre deixava algumas trocas de roupa disponíveis no carro, caso precisasse madrugar no hospital). Meu reflexo no espelho me fez constatar: eu não estava em um dos meus melhores dias. E ver a cicatriz antes de colocar a camiseta também não ajudou muito. Aquela era uma marca permanente do dia em que tudo deu errado em minha vida, deixando traumas comigo: como nunca mais trocar de roupa perto de outros médicos no hospital, ou nadar sem a parte de cima. Aquela marca me lembrava dela. E tudo o que eu queria fazer naquele momento, era esquecer da dor.

Refiz o caminho dirigindo até próximo do hospital, o destino: um familiar restaurante-bar que costumava me abrigar nas piores noites. E também quando eu estava faminto (o que era o caso). Naquele momento, o cansaço ainda não passava por minha cabeça e eu não me importava de não ter estado em casa nas últimas vinte e quatro horas. Eu não conseguiria dormir nem se tentasse.

O lugar ainda não estava cheio quando cheguei. Fui até o balcão e chamei o barman.

— Um copo de uísque, por favor.

O líquido desceu rasgando pela minha garganta. Eu não me orgulhava daquilo, mas nem por isso deixei de pedir a dose seguinte.

Comecei pensando em Nicole, em todos os pacientes que já tinha perdido, e por fim em Luce. Ela sempre voltava em meus pensamentos. Eu tentava não pensar nos últimos meses, nos últimos anos, mas era impossível. Memória após memória me invadiam e pareciam me sufocar lentamente. Eu ainda sentia seu toque e ouvia sua voz suave ao fechar os olhos e isso me consumia. Pensei estar melhorando, mas era uma luta árdua dia após dia, mesmo depois de todo este tempo. Apoiei ambos os cotovelos na bancada enquanto olhava para o meu copo quase vazio, pedindo para que Luce me libertasse disso, que os céus me enviassem algo para sair de minha agonia.

— Henrique?!?! — exclamou com surpresa uma voz conhecida.

Virei os ombros para ver. Estreitei os olhos, franzi a testa, abri um sorriso (cansado) de reconhecimento. Era Mike, um amigo dos tempos da faculdade. Agradeci mentalmente a pequena distração. Fazia meses que não o via, na verdade fazia meses que eu não via ninguém. Costumávamos andar juntos na faculdade nos primeiros anos e nos afastamos durante nossas especializações. Ele se tornou cirurgião cardiovascular, dizia ter um fascínio incomum pelos corações.

— Mike, que surpresa!

— Cara, como é bom te ver por aqui, fico feliz que esteja saindo.

— Eu também! — forcei um sorriso, ele também sabia de toda a minha história.

— Fiquei sabendo que terminou sua especialização.

— Sim, finalmente agora poderei aproveitar cada segundo sem me preocupar com teses para entregar.

— Podemos começar agora — ele se inclinou para o garçom e pediu duas doses de uísque, me entregando uma em seguida —, se bem me lembro, você adora tomar isso.

Idas e vindas de amor - O Encontro (Livro I) [Degustação]Onde histórias criam vida. Descubra agora