— Quem bebe às dez horas da manhã em uma quinta-feira? — perguntou Luís depois que pedi nossa dose de uísque.
— Quem tem um emprego com plantões malucos e horários de trabalho mais malucos ainda — respondi dando de ombros.
Há pouco eu tinha saído do hospital e Luís só trabalharia a noite. Nos encontramos em um restaurante qualquer da cidade depois de suas muitas ligações perdidas em meu celular.
— Não queria conversar comigo tomando um café, não é? — continuei, dando o primeiro gole.
— Não, até porque preciso de muita bebida para falar — continuou ele levemente aflito.
— Antes de tudo, sabia que Carla passou mal na semana passada?
— Tem a ver com isso.
Esperei que Luís continuasse, mas a dificuldade em encontrar as palavras era evidente. Algo me dizia que eu já sabia o que ele iria me dizer. Ajeitei-me no sofá do restaurante, aguardando a notícia.
— Carla está grávida — confirmou minhas suspeitas. O silêncio seguinte durou menos de cinco segundos até um sorriso se abrir em minha boca e a felicidade me tomar.
— Mas que maravilha, parabéns papai!
— Não, não — ele parecia chocado com minha felicidade, tentando freá-la a qualquer custo. — Não posso ser pai.
— Ué, e por que não?
— Carla e eu somos novos demais.
— Sério que está me falando a desculpa mais clichê de todo o universo? Além de não serem casados ainda, não vejo nenhum outro problema.
— Você não entende... — começou ele.
— Realmente eu não entendo, Luís... Claro, não estava nos planos, mas ambos têm as carreiras consolidadas, ganham bem e se amam... ou não se amam? — perguntei arqueando uma das sobrancelhas. Seria esse motivo para Catarina ter precisado beber após uma consulta com a Carla?
— Sim, eu a amo.
— Então qual o problema, cara?
E o que tinha feito a ruiva entrar naquele bar com a expressão tão desolada, de poucos amigos?
— É meio assustador...
— Eu não tenho dúvidas. Sua vida vai mudar completamente agora, mas será bom, eu acho... Deus sabe o quanto eu queria isso hoje, você está tendo a oportunidade que eu não tive — comentei a última parte como um consolo para eu mesmo. Catarina sumiu de meus pensamentos e uma dor mais profunda surgiu.
Luís franziu a testa.
— Luce estava grávida quando aconteceu? — perguntou ele surpreso.
— Sim — respondi em um suspiro. Segredos daquela época ainda voltavam à tona, todos, enfrentados sozinhos por mim. Desviei o olhar para baixo, lembrando que tudo o que eu mais amava se foi, sentindo cada palavra como uma agulha em meu coração. — E eu só descobri depois do laudo, não pude nem comemorar com ela...
— Eu sinto muito, Henrique, não sabia disso... Por que não nos contou?
— Não queria que todos sofressem mais... eu mesmo descobri por acaso. Nós comentávamos que queríamos ser pais, e ela não queria ser uma mãe muito velha — dei um meio sorriso, lembrando-me de seu desejo de ser mãe.
Quando Luce se foi, não só ela foi embora, como também o pequeno que um dia chamaríamos de filho. Sem que eu percebesse, os nós dos meus dedos ficaram brancos devido ao aperto ao redor do copo de bebida.
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Idas e vindas de amor - O Encontro (Livro I) [Degustação]
RomanceHenrique é um neurocirurgião bem-sucedido na cidade de Campinas. Catarina, uma modelo e colunista de moda que chama a atenção por onde passa. Um não tem nada a ver com o outro... ao menos é o que pensam até saberem que ambos passaram pelo luto, reag...