Capítulo Um

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Marcela

Toda história de amor tem que começar em algum lugar. Eu, particularmente, se pudesse escolher o meu lugar seria em uma ilha paradisíaca, com um mar de ondas tranquilas beijando a areia clara, enquanto gaivotas festejariam em bando no céu azul. Eu olharia para o homem da minha vida com um sorriso tímido nos lábios, enquanto sentia a maresia acariciando meu rosto. Com meus cabelos soltos ao vento e meu coração totalmente entregue ao louro de olhos azuis à minha frente.

Entretanto, para minha surpresa, o meu destino tinha vida própria e decidiu aprontar das suas. Tudo começou na manhã de início de agosto, fazia um friozinho gostoso de final de inverno, onde as plantas se preparam para a primavera, minha estação favorita. Eu estava no quarto de Lúcio pensando na minha vida que se transformou em um verdadeiro caos. Desde que aceitei um trabalho temporário em um shopping no centro como vendedora, minha mãe havia perdido totalmente a esperança de que eu pudesse algum dia exercer o que ela desejava que fosse minha profissão. Eu nunca tive talento algum para medicina, jamais seria uma neurocirurgiã de renome como a minha mãe. Muito menos uma grande juíza como o meu pai.

Eles nunca apoiaram o meu verdadeiro sonho de me profissionalizar na dança. Desde pequena eu imitava as minhas cantoras favoritas e constantemente me imaginava dando aulas, criando grandes coreografias e fazendo shows. Porém, era algo totalmente fora de cogitação dentro da família Moraes e Castro. Afinal, uma linhagem impecável de médicos e advogados não aceitaria uma renegada como eu rebolando em cima de um palco.

E não era apenas suposição, era um fato declarado. Na quinta série, decidi fazer uma surpresa para os meus pais. Durante uma apresentação escolar preparei uma coreografia de balé clássico, no intuito de inserir o assunto da dança pouco a pouco na minha casa, entretanto, fui tirada do palco contra a minha vontade. Além da vergonha diante dos meus colegas de classe, ainda fiquei de castigo, por não ter seguido o roteiro que minha mãe havia me passado para a apresentação. Ela tinha me orientado a fazer uma pequena atuação dizendo o quão importante era seguir uma carreira na medicina. Desde esse fatídico dia, meus pais me cobraram o triplo nos meus estudos, exigindo as maiores notas e todos os destaques possíveis.

Eu devia ser a aluna perfeita, para posteriormente ser uma universitária impecável.

A minha infância foi um verdadeiro inferno, eram horários infinitos de aulas avançadas, aprendendo sobre o corpo humano e suas possíveis enfermidades. Para piorar, na outra ponta da disputa estava meu pai, sempre tentando me fazer engolir o livro de direito penal. Meus pais sempre discutiram entre si, tentando chegar em um acordo sobre o meu futuro, porém, nunca me ouviram. Em nenhum momento da minha vida perguntaram o que eu realmente queria fazer. Afinal, minha opinião não importava.

A dança na minha casa sempre foi tratada como algo ilegal, imoral e impensável. Passei a dançar trancada no quarto e escondia meus fones de ouvido. Tudo era proibido para mim. Era como se fosse errado ser eu.

Nunca existiu a possibilidade de diálogo. Meus pais ordenavam e eu obedecia, sempre foi assim desde que me entendia por gente. Por isso quando saí do ensino médio iniciei a minha saga tentando realizar os planos que fizeram para mim. Para meu desespero fui aceita na primeira tentativa na melhor faculdade de medicina de São Paulo. Durante um ano me forcei a estudar matérias que não me interessavam, lutando com cálculos que quase ocupavam uma página inteira, observando microscópios até sentir dor de cabeça e exaustão.

Chegou um ponto que eu não conseguia mais ir para a aula. Era como se estivesse vivendo em um universo paralelo. Não era a vida que eu queria para mim.

Reuni toda a coragem que me restava e tranquei a faculdade de medicina. Foi um desastre. Eu só não apanhei da minha mãe porque meu pai não deixou. Ela ficou descontrolada. Gritou incessantemente que eu não seria ninguém na vida. Que eu não servia para nada, além de dúzias e dúzias de frases ofensivas que nunca mais saíram da minha mente. Era como se tivessem impregnado na região cerebral que causava dor. As palavras eram como cacos de vidro, me ferindo sempre que eu lembrava da discussão. Bem ali, mamãe me quebrou sem tocar um dedo em mim.

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