Capítulo Dois

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Marcela

Eu não podia me conformar que meu relacionamento com Lúcio não passava de uma patética fantasia romântica da minha mente ingênua.

Eu já sabia de cor todo o discurso que minha mãe faria, dizendo o quanto eu era fraca e idiota por me empenhar em um relacionamento em vez de uma carreira. E o pior disso tudo era saber que Andréia Moraes mais uma vez estava certa. Balancei a cabeça tentando dispersar os inúmeros pensamentos que floreavam a minha mente inquieta, e olhei de forma inquisidora para Lúcio.

— Marcela, eu posso explicar! — Falou nervoso e eu cruzei os braços prestes a fuzilar ele com o olhar até transformá-lo em pó.

— Tenta a sorte! — Desafiei e ele pareceu confuso. Passou a mão pelos cachos louros me fazendo ter ainda mais sede de seu sangue. Ele realmente procurava palavras para explicar essa palhaçada? Era o cúmulo.

— Vanessa! — O homem ao meu lado balbuciou ainda incrédulo. A mulher permanecia com os ombros encolhidos e expressão de culpa. — Você... — Ele não completou a frase e eu me exaltei.

— Ela está noiva do meu namorado. É isso, amigo, fomos passados para trás por esses dois filhos da...

— Marcela! — Lúcio me repreendeu e eu me aproximei dele, furiosa. — Querida, eu...

— Eu não sou sua querida! — Gritei chamando atenção de todos os clientes do restaurante. — Nunca mais ouse me chamar assim! Em pensar que eu idiota imaginei que essa droga de anel fosse para mim. Realmente fantasiei nós dois envelhecendo juntos. Ainda bem que tudo não passou de uma ilusão.

— Deixa eu explicar...

— Explicar? Você quer explicar uma traição dessa magnitude? Sério? É por isso que sempre odiei essa classe maldita de advogados, sempre tentando defender o indefensável. Como fui idiota, meu Deus! Eu te amei! Me entreguei mesmo você sendo ruim de cama! — Ataquei nervosa e ele olhou em volta, envergonhado.

— Cala a boca! — Exigiu alterado e o homem ao meu lado deu um passo na direção dele, o deixando apreensivo, porém, não disse nada.

— Você é a última pessoa na face da terra que pode me pedir alguma coisa. — Adverti segundo as lágrimas. — Quer casar com ela? Se case! Pois tomara que ela te coloque um belo par de chifres ainda na lua de mel! — Praguejei e ele engoliu em seco. — E quanto a você, Vanessa. — Olhei para a moça com desprezo pulsando em cada sílaba. — Nunca será feliz, pois não há como existir felicidade baseada no sofrimento dos outros. — Arranquei meu colar com uma pequena estrela prateada que Lucas havia me dado de presente de aniversário, e joguei no rosto dele. — Vocês se merecem! — Gritei magoada e ameacei sair do restaurante.

Todos me olhavam chocados. Porém, uma mão me deteve. Era o cara de pau em pessoa.

— Quer saber a verdade? Eu jamais poderia me casar com alguém como você. Você nem sequer concluiu a faculdade. Não tem planos para a sua vida. A única coisa que sabe fazer é ser bonita. É isso, você é como uma boneca inflável sem a mínima serventia para nada. Se resume a ser uma esposa troféu e nada mais. — Rebateu me deixando mais incrédula que antes.

O nó na minha garganta não permitiu que minha voz pudesse sair. Ouvi Rodolfo, o dono do restaurante, pedir calma e para irmos para outro lugar, entretanto, eu não era mulher de levar desaforo para casa.

Dei um forte tapa no rosto do homem que eu pensava que me amava.

— Quem você pensa que é para falar assim comigo? — Recriminei confrontando seu olhar.

— Sou um advogado em ascensão e logo terei meu próprio escritório. Jamais jogaria minha vida fora me casando com uma filhinha de papai como você.

Eu não podia acreditar que era o mesmo homem com quem minutos antes eu desejava me casar.

— Existe uma coisa que nenhum diploma garante, se chama caráter, e isso, ilustre advogado, o senhor nunca obterá. — Falei ácida.

— Marcela, é melhor você ir embora. — Rodolfo aconselhou e eu concordei com a cabeça.

Eu não conseguiria segurar minhas lágrimas por muito tempo e jamais choraria na frente de Lúcio.

— Vanessa? — O homem ao meu lado indagou e ela se levantou com o olhar fixo nele.

— Samir, me perdoe! Eu não podia... Eu não posso largar tudo. Meus costumes, meu país... Me perdoe! — Ela choramingou e ele a olhou duramente.

Saí do recinto de cabeça erguida fingindo ter ainda alguma dignidade dentro do meu ser. Entretanto, assim que saí pela porta deixei as primeiras lágrimas caírem.

Andei desorientada pelas ruas, sem saber para onde ir. Não podia ir para casa. Não queria contar aos meus pais o acontecido, eles jogariam na minha cara que a culpa era minha. Afinal, na visão deles tudo que acontecia era sempre culpa minha​.

Vaguei pela praça e parei em frente ao teatro, sentei na calçada. Me sentia despedaçada, sem saber o que fazer. A minha mente fervilhava com todos os momentos que tive com Lúcio. Ele me destruiu da pior forma que poderia me destruir, brincando com meus sentimentos, com meu amor... Eu não podia me conformar com aquilo. Era tudo mentira? Será que ele sempre mentiu? Por quê? Por que ele decidiu acabar comigo? Eu tentava encontrar uma resposta sensata em vão.

Ele era a única pessoa que eu confiava em dividir os meus planos mais loucos. Entretanto, pensando melhor, provavelmente ele era mais um que não me ouvia.

Será que eu era invisível para todos?

De repente notei um luxuoso e brilhante carro preto parando na minha frente. O susto foi inevitável.

— Só o que faltava ser sequestrada para coroar esse dia incrível! Olha, meus pais provavelmente vão pagar para você me deixar presa no cativeiro. — Ironizei mal humorada e então o vidro escuro abaixou.

Logo reconheci o tal Samir que compartilhou o chifre comigo.

— Podemos conversar? — Pediu sentado no banco de trás, estava sendo guiado pelo homem de terno que falava estranho.

— Conversar sobre o quê?

— Sobre o que acabamos de passar. Vejo que você está péssima.

— Muito obrigada pela parte que me toca! — Ironizei e ele franziu a testa.

Eu poderia ser realmente sequestrada? Talvez. Já não sabia de mais nada. Levantei secando as lágrimas e antes que pudesse perceber como havia sido tão rápido, o motorista abriu a porta para mim. Agradeci e ele não esboçou nenhuma reação.

— Rashid não gosta de falar português. Ele acha uma língua muito rude. — Samir explicou e eu continuei o olhando confusa. — Somos árabes. — Explicou e eu assenti.

— Como vieram parar aqui?

— Longa história. Aceita almoçar comigo? — Pediu e eu observei o tal Rashid que dirigia concentrado.

— Se ele não fala português como entende as placas?

— Ele fala português. Só não gosta de falar. — Explicou em um tom quase divertido e o homem deu de ombros ao notar meu olhar pelo retrovisor. — E então, aceita meu convite?

— Promete não me fazer de refém? — Perguntei e ele franziu a testa.

— Não sou um criminoso.

— Até parece que bandidos confessam tranquilamente quem são. — Ironizei e ele cruzou os braços.

— Se pensa isso, por que entrou no meu carro?

— Não sei. Acho que perdi o controle da minha vida. — Murmurei mais para mim mesma.

— Isso significa que você aceita o almoço?

— Sim. Estou mesmo com fome, mas por via das dúvidas compartilharei a minha localização com o meu primo. Esteja ciente disso. — Ameacei mexendo no celular e ele sorriu fraco.

— Ótimo! Rashid! — Ele chamou o homem e como se a comunicação deles fosse telepática, ele logo seguiu para um restaurante que eu já havia frequentado antes.

Seguimos em silêncio enquanto o árabe permanecia com as mãos cruzadas sobre as pernas. Parecia tenso. Tão perdido quanto eu.

Maktub - Estava Escrito [DEGUSTAÇÃO | DISPONÍVEL NA AMAZON]Onde histórias criam vida. Descubra agora