Capítulo Três

12.8K 1.3K 275
                                    

Marcela

Fomos servidos e enquanto eu brincava com a salada no meu prato com o garfo, me perdi completamente em pensamentos. Samir por sua vez fazia sua refeição em silêncio.

— Em que parte teremos um diálogo mesmo? — Perguntei e ele me olhou surpreso.

— Pensei que você quisesse um tempo para pensar.

— Se eu pensar mais um pouco irei enlouquecer. — Resmunguei largando o garfo. — Me conte sua história!

— Nada muito extraordinário. — Ele limpou os lábios com o guardanapo e pegou o copo de água. — Minha família mora em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos. Meu pai é dono de uma importante empresa de imobiliária chamada Ahmed Properties, temos planos de expandir ainda mais nossos negócios. Vim para o Brasil há pouco mais de um ano em busca de aprimorar os meus conhecimentos em softwares, e assim poderei​ melhorar a função de desktop remoto das estações automáticas de informática, que utilizamos conectadas a um call center. Desde então tenho me sentido quase adaptado aqui.

— Você precisa trabalhar melhor seu conceito de extraordinário! — Ironizei e ele me olhou confuso. — O que falta para se adaptar completamente? — Perguntei interessada e ele pousou o copo sobre a mesa.

— Entender o que se passa na cabeça de vocês, ocidentais. São tão voláteis. Suas palavras não valem nada e mudam de ideias como trocam de roupas.

— Às vezes somos assim mesmo, mas não pode generalizar isso.

— É tudo tão estranho. De onde venho a palavra de uma pessoa pode ser escrita em uma rocha de tão seguro. Minha mãe sempre me alertou sobre como as mulheres do ocidente não eram confiáveis. Eu nunca deveria ter me desviado do meu país. — Contou magoado.

— Você... Gostava daquela mulher?

— Vanessa? Eu pretendia me casar com ela. — Respondeu tirando do bolso uma caixa de joias​, fiquei chocada quando ele abriu revelando um colar tão brilhante quanto todas as estrelas.

— Toma cuidado com isso! — Pedi fechando a caixa e olhando em volta, me assegurando que aquela preciosidade em ouro branco e diamantes não tivessem chamado a atenção de mais ninguém. — Você pode ser assaltado. — Sussurrei preocupada e ele suspirou pesadamente.

— Outra coisa horrível desse país é a insegurança. Se fosse no oriente, o ladrão perderia as mãos e isso evitaria a proliferação de ladrões.

— Olha, sei que está revoltado, e está com toda razão do mundo para isso. Também fui traída e enganada, mas por favor, guarde isso antes que arrume problemas! Aqui não é o oriente, se alguém te roubar o máximo que vai acontecer é vender esse colar como algo banhado a ouro na primeira esquina. — Aconselhei e ele guardou a caixa no bolso do paletó novamente, em seguida me olhou ainda frustrado.

— Eu a conheci aqui, neste restaurante. Estava muito animado com todas as novidades do Brasil, e especialmente, assustado após visitar o Rio de Janeiro.

— Assustado com a violência?

— Não. Com as roupas das mulheres. Digo, com falta de roupas delas. — Respondeu arregalando os olhos, me fazendo rir.

— Você não sabia sobre a nossa cultura? Não fez nenhuma pesquisa antes de vir para cá?

— Fiz, mas muitas coisas nos Emirados são censuradas na internet. Então não tinha ideia do quão as mulheres daqui são... Livres.

— Não somos tão livres quanto parece. — Falei pensativa e ele me observou.

— Dubai está em constante modernização. Atualmente as mulheres não usam mais somente preto em seus véus e vestidos. Muitas usam bastante cores diferentes e ficam lindas. E mesmo com a constante onda turística que presenciamos, pelas leis, as mulheres devem andar o mais cobertas possíveis. Nada de decote, joelhos ou ombros de fora. Então dá para imaginar o meu espanto quando fui à praia de Ipanema pela primeira vez?

A gargalhada foi inevitável. Ele ainda parecia assustado mesmo depois de algum tempo do fato ter ocorrido.

— Imagino sim. Deve ter sido um grande choque cultural. — Respondi quando consegui parar de rir.

— E foi mesmo. Até hoje vivo me surpreendendo com os costumes de vocês. Porém, jamais irei me acostumar com as relações que desenvolvem. São tão intensas, carnais, envolventes e então de repente tudo se acaba. Vim para cá atrás de um amor meu. Não queria ter um casamento arranjado como os dos meus irmãos mais velhos, não que eles sejam infelizes com isso, pois não são. Porém... Como o filho mais novo, sempre viajei muito, conheci vários países diferentes e em nenhum deles os pais escolhem a noiva do filho. Eu queria isso. Ter o meu poder de escolha.

— E pensou que sua escolha certa fosse a Vanessa? — Perguntei notando ele desviar o olhar por um instante.

— Eu tinha certeza. Estava até mesmo disposto a enfrentar minha família por ela. Meus pais são muito tradicionais, jamais aceitariam de bom grado o casamento com uma ocidental, além disso, não muçulmana. — Explicou e eu tomei um pouco de suco enquanto o ouvia. — Estava disposto a enfrentar tudo e todos por ela e veja só no que deu. Ela destroçou o meu coração e jogou a minha dignidade no vento.

— Sinto muito por isso! Infelizmente nos enganamos muito com as pessoas.

— Percebi que você também ficou bastante abalada por causa do amarelo que estava com a Vanessa.

— Aquele louro idiota era meu namorado. E... Eu fui tão burra! Acredita que encontrei aquele anel hoje pela manhã e jurava que era para mim? Tinha certeza que ele me pediria em casamento. Pensei que ele me amava e queria viver comigo. — Contei com a voz embargada e sequei uma lágrima que insistiu em cair.

— O amor não existe. — Samir concluiu sério. — O pior de tudo será assumir para meus pais que eles sempre estiveram certos em relação a isso.

— Nem me fale em pais! Quando os meus souberem que meu namoro subiu no telhado vão jogar isso na minha cara para o resto da vida.

— Aquele amarelo subiu no telhado? Para quê? — Indagou confuso me fazendo rir.

— É modo de dizer.

— Vocês têm muitos modos de dizer uma mesma coisa. Isso é tão confuso! — Reclamou e eu ri ainda mais.

— A questão, Samir, é que meus pais já me julgam por eu não ser a filha perfeita que eles queriam que eu fosse, por não ter cursado medicina ou direito como eles planejaram, mas principalmente, por desejar cursar dança, o que sempre foi considerado um absurdo para eles. E agora quando souberem que nem sequer o meu namoro foi bem-sucedido, irão me infernizar ainda mais. — Expliquei e ele compreendeu melhor.

— Então estamos na mesma situação. Terei que voltar à Dubai e assumir as responsabilidades dos negócios do meu pai. Provavelmente terei que desistir de trazer uma filial para o Brasil e aceitar a esposa que eles escolherem para mim e que eu nem conheço.

— E você vai aceitar casar nessas condições? Digo, sem nem saber quem é a escolhida?

— Acho que não faz mais diferença, pois nós nunca conhecemos ninguém realmente. Talvez seja melhor assim, afinal, o amor é uma mentira criada para faturar com casamentos. E vocês, mulheres, em vez de dizerem a verdade apenas dissimulam...

— Alto lá! Não me inclua nesse pacote! Também fui tão enganada e tão ferida quanto você. — Interrompi e ele suspirou cansado.

— Tem razão. Desculpe! Não devo generalizar, como você disse anteriormente. Não foi minha intenção te ofender.

— Tudo bem. Entendo a sua mágoa. — Falei sincera e ele olhou novamente para o paletó, fez menção de pegar a caixa com a joia, porém, não o fez.

— É mais que mágoa. Jamais vou amar outra mulher. Nunca mais irei ceder às aflições imbecis do meu coração.

— Estamos no mesmo barco. Eu também não vou mais amar nenhum homem como amei aquele babaca. — Prometi num fiasco de voz.

Uma lágrima bailou no meu olhar e violou meu rosto. Samir gentilmente a secou com um guardanapo.

Agradeci constrangida e suspirei pensando em como éramos idiotas por sofrer por aqueles amantes safados.

Ao mesmo tempo, era um sentimento inevitável. O meu coração se pudesse falar, gritaria.

Maktub - Estava Escrito [DEGUSTAÇÃO | DISPONÍVEL NA AMAZON]Onde histórias criam vida. Descubra agora