O Sonho

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Uma porta se abrira às 4:00 da manhã.

Ainda estava escuro lá fora e apenas a luz do hall de entrada da casa estava acesa. Devagar, os sapatos de salto alto de Lucinda foram retirados de seus delicados pés e seu vestido levemente levantado.

Lucinda subira as escadas e abrira a porta de seu quarto. Cansada ela tira seu belo vestido e prende seu cabelo em um coque. Em seguida segue para o banheiro e toma uma rápido banho quente e, depois se enxugar sua pele macia e perfumada, põe seu pijama.

Foi uma noite longa e cheia de perguntas sem respostas, porém, foi cansativa demais para que a garota continuasse desperta. Embalada por sua cama quente e acolhedora, Lucinda cai em sono profundo.

***

Luce acorda com a luz do sol em seu rosto.

- Filha, levante-se. O senhor Cowel logo estará aqui para o café e ele lhe dá boas gorjetas.

Lucinda abre os olhos devagar, olha ao redor e sente que sua respiração falha por um discreto segundo.

As paredes do seu quarto são de madeira e sua cama já não é mais tão confortável. A mulher que a chamou de filha tem cabelos loiros e vibrantes olhos azuis.

- Se apresse. Eu estarei esperando na cozinha.

Lucinda acena e se levanta sem conseguir dizer nenhuma palavra.

Ao lado da cama se encontra uma pequena e velha penteadeira e em cima da cadeira que a acompanha se encontra um vestido em trapos velhos junto a um avental.

Luce se põe em frente ao espelho e não se reconhece na imagem.

Batidas na porta.

- Lucinda, vem logo.

- Já estou indo, mamãe.

Ela se sobressalta internamente. Esses palavras que saíram da sua boca não foram suas, assim como nada que está a seu redor não lhe pertence.

Seu corpo se apressa, quase contra sua vontade. Rapidamente ela troca de roupa e arruma a cama.

Ao abrir a porta ela se depara com um longo corredor cujo o chão, as paredes e o teto são completamente de madeira. Ela segue em frente e se depara com uma escada.

- Luce, o que está fazendo? Você está atrasada.

Diz um rapaz ruivo.

- Eu não sei onde estou com a cabeça hoje, Billy.

Mais uma vez ela se sobressalta com as palavras que desconhece.

Lucinda sente como se ela fosse uma mera espectadora como se estivesse presa a um corpo que não é, e nem parece, o seu. Ela não tem o controle de seus movimentos e nem de suas palavras mas acompanha tudo com intensa lucidez.

- Vem logo.

Billy segura em seu braço e ambos descem a escada que os levam a uma porta de madeira.

- Eu preciso ir ajudar ao John com os caixotes de verdura. Vejo você na hora do almoço.

- Está bem.

A garota abre a porta e ao atravessar a porta adentra a cozinha. Nela, três fogões à lenha de ferro ocupam o lado esquerdo com panelas fervendo a todo vapor. Em seu centro uma mesa de madeira ocupada por três mulheres trabalhando está repleta de verduras, legumes e carnes. Do lado direto se encontram dois armários com bebidas e especiarias. Uma das mulheres da mesa agora se movia freneticamente para lá e para cá pela cozinha enquanto jogava diversos temperos nas panelas.

Lucinda sente uma mão apertar e puxar seu braço.

- Menina, aí está você. Mais um atraso e eu ponho você e sua mãe na rua.

- Me desculpe senhora, Burkley.

- Isso aqui é uma pensão e não um cabaré. Trate de não se atrasar mais.

A mulher da as costas mas volta a olhar para trás antes de atravessar a porta de saloon da cozinha até o salão.

- Mecha-se, os hóspedes estão com fome.

E assim vai embora.

- Querida, tenha cuidado. Você e sua mãe dependem desse emprego.

- A Senhora tem razão.

A mulher sorri docemente e a entrega uma bandeja. Lucinda se retira da cozinha e entra no salão de hóspedes para atender as mesas dos clientes famintos pelo desjejum.

No mesmo instante que Lucinda adentra o salão a porta de entrada da pensão é aberta e por ela perpassa um lindo rapaz loiro de cabelos brilhantes e corpo exuberante. Os raios do sol da manhã contornado seu corpo emolduram sua beleza em seu esplendor. Lucinda pensou ter visto a mescla entre raios violeta e amarelo vindos do sol mas não houve tempo para questionar. Seus olhares se encontram no mesmo instante. Ela imediatamente sente uma mudança na atmosfera ao seu redor. Apesar de estar a alguns metros de distância do cavalheiro ela crê ter visto a mesmo surpresa que sentira em seus olhos. A mesma falha na respiração.

Sem prestar atenção no seu caminho Luce derrama a bandeja em um cliente que caminhava a sua frente.

- Não olha por onde anda empregada?!

Falou o homem em plena fúria agarrando Luce pelos braços e fazendo o utensílio em sua mão cair no chão.

- Ora, mas é agora que a senhorita Burkley põe você e sua mãe na sua.

Gritou o homem a plenos pulmões chamando a atenção dos que ainda estavam desatentos.

- Solte-a imediatamente!

O homem para e olha para quem o ousa desafiar. Lucinda se surpreende ao perceber que se trata do jovem que acabara de chegar.

-Se eu não largar acontece o que? Desafiou ele.

- Eu já falei para você a deixar em paz.

O homem aperta mais ainda o braço de Lucinda a tirando do transe em que entrou ao ver quem era seu defensor.

- Ai, está me machucando.

- E é para machucar mesmo.

O homem levanta a mão para desferir um tapa no rosto de Lucinda que, assustada, fecha seus olhos. A garota não sente nada e ao voltar a abri-los vê que estranho por quem estava encantada houvera afastado o agressor e agora o encarava de costas para ela.

- Não ouse chegar perto dela mais uma vez.

Ela não entende mas o homem parece amedrontado e se afasta.

- Você está bem?

Perguntou o moço.

Luce finalmente tem a oportunidade de olhar dentro de seus olhos. Sem saber bem o porque ela se sente inexplicavelmente atraída e beija aquele que a salvou em agradecimento. Apesar dela não perceber, o beijo - que o pegou de surpresa - atraiu a primeira legião de sombras. Sem saber de fato o que aconteceu, Lucinda sente como se estivesse flutuando no ar aos braços do rapaz que já houvera percebido as inconvenientes visitantes. Então, sem interromper o beijo, ela sente algo frio tocar seu braço ao passo que escuta um barulho de espanto vindo dos outros no salão.

A garota abre os olhos e se espanta ao perceber que estava a metros do chão, porém, não mais do que quando viu as asas daquele que a protegia. Era seu anjo da guarda? Ela se perguntou. Jamais haveria tempo para resposta.

Surgindo do nada, o fogo tomou conta da porta de entrada enquanto seu anjo tentou a carregar para fora dali. Luce ouviu os gritos desesperados das pessoas no salão, mas então, apenas um segundo depois que ela percebeu que o fogo estava presente em todos as portas, tudo a sua volta pareceu congelar.

Lucinda sentiu o pavor se espelhar por todo o seu corpo arrepiando sua pele com pequenos toques gélidos. Ela não sabia, pois tudo o que enxergava era a escuridão, mas seu corpo estava sendo devorado por sombras. Quase sem perceber Lucinda sente seu corpo ser afastado do anjo e erguido ainda mais alto no ar. Paralisada, sem poder ou querer tomar qualquer atitude, ela sente um formigamento se espalhando por todo o seu corpo. Ele estava se desintegrando em um misto de fogo incandescente e cinzas. Não havia saída. Não havia salvação.

Don't Let Me FallOnde histórias criam vida. Descubra agora