Capítulo 5

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A pergunta de Aurora fica no ar. 

O intervalo acaba, o sinal agudo, estridente e irritante nos lembra disso. Porém eu e Aurora não nos movemos. Ficamos apenas parados olhando para as pessoas tomando o rumo para suas respectivas salas. 

Rapidamente o lugar fica vazio, silencioso. Fecho meus olhos e acabo "bloqueando" a presença de Aurora ali. Inspiro profundamente, enquanto sou aquecido pelos raios solares que passam pela copa da árvore. 

Após ter se passado o que imagino ser uns 5 minutos, abro os olhos e Aurora ainda está ali, me observando. Ela desvia o olhar assim que nossos olhos se encontram, e abaixa o rosto na falha tentativa de esconder seu rosto, que já estava ficando vermelho. Tímida, que fofa.

Me levanto, mas sem a mínima vontade de fazer isso. Sigo caminhando em direção à minha sala com passos largos, com Aurora ao meu lado tentando acompanhar meu ritmo. Sua baixa estatura e suas pernas  curtas não são uma coisa que a ajuda muito. Especialmente quando se tenta caminhar ao lado de alguém bem mais ágil e maior. Internamente, estou rindo disso, deve ser bem chato para ela.

Abro a porta e faço um gesto para Aurora passar primeiro, cavalheirismo sempre. 

A professora nos lança um olhar de reprovação. 

- O que vocês estavam fazendo lá fora até agora? Aurora, não esperava isso de você. Perder aula pra ficar com um garoto? - a turma presta atenção na conversa, esperando uma resposta de Aurora, mas ela apenas revira os olhos, enquanto fico olhando com cara de paisagem tentando entender a situação. 

As pessoas e seu grande defeito: cuidar da vida dos outros, supor o que eles fazem, e esquecer de cuidar de si mesmos. Isso me incomoda. Mas como de praxe, não faço nada a respeito. Além disso, não é como se algum dia alguém fosse conseguir acabar com essa atitude comum da raça humana. Estou começando a acreditar que sou mesmo um alien vindo de outro multiverso. 

- Ela disse que esperava mais de mim. Irônico, até eu já perdi as esperanças - Aurora diz assim que nos sentamos, apontando para a professora.

Dou uma risada abafada. Não quero mais chamar a atenção. 

- Muito bem alunos, formem grupos para fazer a próxima atividade. 

Sem me perguntar se eu queria, Aurora simplesmente arrasta sua mesa e a une à minha. Não falo nada, mas solto um longo suspiro. Claramente Aurora não entende e nem quer entender meus limites de espaço pessoal. E pensando bem, não faz sentido formar um grupo, não é como se fôssemos realmente fazer alguma coisa. 

- Você ainda não me respondeu - ela diz baixinho, enquanto a professora começa a explicar o trabalho.

- Respondi o que? - faço-me de desentendido. 

Ela me lança um olhar que serve como um belo aviso de "fala logo ou te mato". Olho para ela de relance. Então percebo o real motivo de ela ter se unido a mim para NÃO fazer o trabalho.

- Anda logo Oliver - seu tom de voz permanece baixo, mas claramente ela está se irritando.

Regra que todos deveriam levar para a vida: NUNCA IRRITE UMA BAIXINHA. Tenho medo de ela morder minha canela. Não estou brincando quando digo isso. Nunca se sabe até que ponto determinada pessoa já foi afetada pela loucura.

- Bem... eu já nem sei mais. Fingi por tanto tempo ser outro que acabei me perdendo dentro da minha própria escuridão. Isso é frustrante - assumo um tom melancólico demais, então tento me recompor - mas, já me acostumei. E quem é você Aurora?

Seus olhos estão fixos no vazio a nossa frente, como se ela estivesse em algum tipo de transe.

- Aurora? 

Quando ela se vira, encontro seus olhos marejados em lágrimas. Não, não sei lidar com pessoas tristes. Me sinto incapaz de fazer alguma coisa. Apenas aguardo alguns minutos. Poucas lágrimas caem, e Aurora as enxuga com a manga de seu moletom. 

- Acho que posso dizer o mesmo que você, já estava me preocupando em ser a única - ela diz com uma pitada de humor, como se não tivesse passado por uma crise emocional nesse exato momento.

Outra bipolar, ótimo. 

- Te garanto que não é - digo, tentando aliviar o clima.

- Acabo de perceber isso - ela ri.

Não imaginava que Aurora também se sentia assim. Mas acabo de perceber que cada ser humano acaba tendo que carregar algum tipo de carga emocional. Talvez essas cargas sejam apenas as "bagagens da vida"...

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