Harvery
Digito mais algumas palavras, mas apago logo em seguida. Nada. Nada flui, não fico satisfeito com nada que escrevo ultimamente. Meu último e primeiro livro fez muito sucesso, porém não consigo escrever mais nada. As editoras já estão me cobrando um novo best- seller, mas não adianta, não consigo. Estou exausto por estar nessa cadeira a tanto tempo em meu escritório, e decido ir embora. Mais um dia perdido, sem nada que me venha à mente para fazer mais um livro tão bom quanto o anterior.
Tranco a porta do escritório, e vou em direção a garagem do prédio. Vou fazer uma surpresa para a Ágatha. Sorrio. Ela está em sua casa, já que saiu do trabalho e foi direto para lá. Acelero o carro, e sigo pelas ruas em direção o seu prédio. Eu estava realmente com muita saudade dela. Venho tentando trabalhar no novo livro, e não sobra muito tempo para nós.
Assim que chego em frente o seu prédio, estaciono o carro e sigo para a entrada. O porteiro libera minha entrada, e entro no elevador. Chego no seu andar, e ando até a sua porta, parando em frente e apertando a campainha logo em seguida. Ouço vozes do outro lado da porta, e assim que ela é aberta, minha boca se abre, e não acredito no que estou vendo. Ágatha está enrolada em um lençol fino, e com a boca levemente inchada, e cabelos bagunçados. Só para confirmar toda a cena, uma voz masculina soa de dentro da casa.
— Quem é? — O dono da voz aparece atrás dela, que parece chocada por me ver ali, e me encara.
Encaro os dois à minha frente, e tento encontrar minha voz.
— Acho que o ex-namorado dela. — minha voz sai um pouco trêmula,e meus olhos já se enchem instantaneamente de lágrimas não derramadas, e dou um passo para trás.
— Very...
— Não. Chega. Eu... Só vou...— não consigo processar mais nada nesse momento. — Não acredito que você foi capaz de fazer isso comigo. Com a gente.
— Eu posso explicar!
— Não, você não pode. — grito em meio ao silencioso corredor, e Ágatha se sobressalta um pouco.
— Você acabou de partir a porra do meu coração e o que você tem pra dizer é que pode explicar? Não. Você não pode.
Vou em passadas largas até o elevador e aperto o botão. Ela vem em minha direção com lágrimas no rosto.
— Very, você estava tão focado no seu livro , que não tinha tempo para nós... Eu sei, isso não justifica mas... — a porta do elevador se abre, e eu corro para a segurança da cabine. — Very, me perdoa!
Vejo apenas sua expressão chocada, mas nada de arrependimentos. Desabo. Todas as lágrimas que segurei descem lentamente pelo meu rosto, e sinto que minhas pernas vão ceder. Não. Não. Ela não pôde.
Saio do elevador , e abro o portão com força, indo em direção ao carro. Abro a porta, e me jogo no banco do motorista, apertando o volante até os nós dos meus dedos ficarem brancos. Grito, e bato no painel, levando a mão em punho até a boca, mordendo.
Ligo o carro, e acelero até o bar mais próximo em qualquer esquina. Bato a porta do carro, e entro no bar logo em seguida, pedindo uma dose de Jack Daniel's.
Se antes não conseguia escrever nada, agora com a situação fodida da minha vida, não sei o que vou fazer. Bebo mais algumas doses até sentir que meus pensamentos estão entorpecidos.
Cambaleio para fora daquele ambiente e vou andando sem rumo pela calçada. A rua está silenciosa, consigo perceber isso. Não há ninguém essa hora da noite, e era para eu estar agora com a minha namorada, juntos, preparando algum jantar, talvez. Sinto as lágrimas querendo sair, mas as inpeço. Não sei como, mas me vejo em um beco vazio, apenas com a penumbra da luz da lua e do poste refletindo na calçada.
Penso em todos os momentos que tive com ela, com nossos beijos, lembranças, sorrisos, e não seguro, quando a primeira lágrima escorre, e sinto uma pressão no lado esquerdo do peito. Instintivamente ponho a mão no coração, e aperto forte. Sinto algo estranho, uma sensação diferente. Não sei explicar. Olho para a frente, por instinto, talvez, e vejo uma silhueta feminina com o que parece um arco e flecha em uma das mãos.
Eu bebi demais. Não pode ser o que estou vendo. A figura dá um passo para trás, e a luz do poste clareia sua face. Cabelos longos loiros, e olhos azuis. É tudo o que consigo observar, antes de ela sair do meu campo de visão, e correr. Não tenho condições de ir atrás da garota e perguntar que raios ela estava fazendo aqui. Ou se ela existe mesmo.
A sensação no meu peito não sai, mas sinto que é algo muito bom, genuíno, talvez. Noto que as lágrimas secam instantaneamente do meu rosto, e a sensação de coração partido me abandonar.
Que merda aconteceu comigo?
Eu não sei dizer, mas sei que quero me agarrar a essa sensação e não soltá-la nunca mais.
Sinto minha visão turva, e minhas pernas cederem. Apenas percebo que caí quando sinto um odor de lixo próximo de mim, e algo molhado no lado esquerdo da minha testa.
Devo ter batido a cabeça na lata de lixo, talvez. Não consigo raciocinar muito, mas logo sinto mãos delicadas segurarem o meu rosto, e um vulto escuro e loiro na minha frente. Forço a visão em sua direção, e percebo o brilho dos olhos azuis.
Os mais lindos que eu já tinha visto. E mesmo bêbado, sei que nunca esqueceria.
Ela não disse nada, apenas me levantou sem dificuldade, passou meu braço direito pelo seu pescoço, e me arrastou para algum lugar.
O seu cheiro? Também não esqueceria. Não sei explicar qual cheiro tinha, mas era uma colônia quase angelical. Pura, talvez.
Ela me arrasta por mais alguns passos, e logo sinto que estamos subindo uma escada de prédio. Mesmo bêbado, tenho noção que está vazio, silencioso, mas não consigo ver muito bem.
Continuo sendo conduzido para dentro do local, e sinto ela me abaixar lentamente em uma cama. Meu corpo tomba para trás, e a sensação de alívio e sono tomar conta do meu corpo dolorido. Fecho os olhos, e minutos depois sinto algo gelado e delicado no lado ferido da minha testa.
Abro levemente os olhos, e vejo a expressão angelical no rosto à minha frente. Deus, ela é linda. Não pode ser o efeito do álcool. A luz fraca amarelada atrás dela ilumina sua figura como um anjo.
Isso é tudo o que vejo antes de o sono me invadir, e meu corpo relaxar.
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SELINA
Short Story-ESSA OBRA É UM CONTO- Selina é enviada à Terra para cumprir uma missão como forma de punição por um crime que cometeu em sua dimensão. Tronian. Para cumprir o que lhe foi mandado, ela terá de abandonar suas asas, e se transformar em um anjo caído...