cinco

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Harvery

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Harvery

Acordo com o sol batendo no meu rosto, e uma cama macia abaixo de mim. Abro os olhos, e os aperto assim que a claridade invade minha visão. Foco meus olhos nas janelas, e vejo que não tem cortinas.

Onde eu fui parar?

Sento na cama e olho ao redor. Um quarto com poucos móveis, e com a pintura descascada em alguns cantos. Um abajur fica ao lado da cama, e quando olho para uma estante em frente a janela, vejo um arco e uma flecha. Wow. Levanto da cama, e meu olhos logo caem em uma figura encolhida no chão no pé da cama. Os cabelos loiros esparramados no chão atrás de sua cabeça, o corpo encolido e o cenho levemente franzido. Reparo em seu rosto, e vejo seus lábios em um tom rosado, e cheios. Suas sobrancelhas loiras  grossas.

O que uma mulher, que aparenta não ter menos de 20 anos, estaria fazendo no mesmo lugar que eu, no chão, e com um arco e flechas no mesmo ambiente?

Eu não saberia responder.

Vasculho na minha memória o que teria acontecido na noite anterior, e lembro de ter chegado no apartamento de Ágatha e encontrá-la com um lençol cobrindo o corpo, e um cara moreno atrás dela. Com a mesma velocidade da luz, os sentimentos que senti na noite anterior se dissipam como fumaça do meu peito. Olho para a garota no chão, e percebo que ela se remexe um pouco antes de abrir lentamente os olhos.

Perco o ar. Qualquer pensamento que tivesse passado pela minha cabeça nos últimos segundos somem. Suas pálpebras revelam um tom oceânico de azul mais forte que já tinha visto. Seus olhos estão sem foco por um momento, até mirarem em minha direção. Ela arregala os olhos, e levanta no mesmo instante. Ela é alta, da mesma altura que eu, e nos encaramos por um momento.

Nunca vou me esquecer da expressão em seu rosto. Surpresa, medo e segurança ao mesmo tempo. Defesa. Seus cabelos loiros estão impressionantemente lisos e soltos dos dois lados dos ombros. Ela abre a boca pra falar, mas eu a interrompo.

— Quem é você?

Ela desvia o olhar, e parece pensar em algo, mas com um suspiro, volta os olhos azuis para mim.

— Selina. — As palavras saem de sua boca e vão direto para a minha memória.

Enquanto olho para a figura à minha frente, um sentimento tão forte se apodera no meu coração, que me sinto sufocado. Seus olhos ainda estão em mim quando eu decido falar.

— Harvery Sansen. — estendo minha mão em sua direção e ela a encara. Engolindo em seco, ela dá um passa para a frente e toca a minha mão. Olho para nossas mãos unidas, e sinto uma conexão forte. Forte até demais.

O que é isso?

— Por quê eu estou aqui? — Pergunto.

— Eu... Você... — engole em seco novamente — Você estava em um beco tropeçando nos próprios pés, e eu decidi te ajudar, e te trouxe pra cá. Só isso. — diz rápido demais.

— E o que são esses arco e flechas ? — aponto para a estante.

Vejo ela arregalar os olhos, e correr na direção dos objetos.

— Nada.

— Como assim nada? Eu acordei aqui, preciso saber com quem estou lidando. — Sinto algo áspero na garganta por falar assim com uma figura tão delicada como ela, e me arrependo assim que as palavras saem da minha boca. — Quer dizer, preciso saber como é a pessoa que me ajudou.

— Eu pratico arco e flecha.

— É seu trabalho?

— Sim. — diz e desvia os olhos e fica de costas para mim.

Dou um passo para a frente e toco o seu braço. Ela não se afasta. Franzo o cenho. Espalmo minha mão no seu braço, e ela não demonstra sentir. Prendo a respiração, e toco suas costas. Sinto com a ponta dos dedos um pequeno relevo como o de uma cicatriz, por cima da fina regata preta que ela está usando. Dou uma leve pressão na marca, e como se ela sentisse apenas agora o meu toque, se afasta de mim.

— O que você fez? — Pergunta ela levando as mãos até as costas e abraçando o próprio corpo.

— Quem é você? — De tantas perguntas na minha cabeça, como perguntar porque ela não sentiu meu toque, e porque eu sentia uma ligação tão forte com ela como se nos conhecêssemos a muito tempo, resolvo dizer o que o meu coração me comanda perguntar.

— Isso não vem ao caso. — diz, ela.

— Te machucaram?

Ela não responde.

— Quem fez isso com você? E o que é isso?

— Nada.

— Como nada? Eu posso te ajudar?

— Pode. Vai embora.

— Como ir embora? E que porra é essa no meu peito quando eu olho pra você? Eu nem te conheço. — Passo os dedos pelos cabelos, exasperado.

— Não... — Sussurra.

— Como assim não?

— Você... Você também está se sentindo diferente? — Ela continua abraçando o próprio corpo.

— Sim. Muito diferente.

— Eu também. Isso não pode estar acontecendo. Declan vai me matar... — diz em um fio de voz.

— Quem é Declan?

— Ninguém que você conheça. — fala rapidamente.

— Me explica o que está acontecendo! — Chego em um limite que não aguento mais tanta pressão no peito. Algo dentro de mim me leva até a garota do outro lado do quarto, sem dar tempo de ela se afastar, e seguro seus braços. Ela olha para as minhas mãos em sua pele, mas não se move.

— Porque você não me sentiu quando toquei seu braço minutos atrás?

Ela me encara, e seus olhos fitam os meus. Aquela imensidão azul é mais forte que qualquer coisa que eu já tenha sentido antes. Mais forte do que qualquer coisa. Como se pudesse me afogar naquele oceano apenas por me olhar. E sinto no meu coração, que se ela me levasse naquele momento para o precipício da órbita daqueles olhos, eu não pensaria duas vezes antes de me jogar e me afogar, me perdendo neles.

Aquilo não podia ser normal. Aquela garota não podia ser normal. Meu coração grita para a minha razão que ela é importante, mas eu não a conheço. Grita que aquilo nunca se apagaria da minha memória. E não apagou. Que me afastar dela, não era o certo.

Tudo de uma vez. Apenas abrir os olhos naquela manhã me fizeram ter essa enxurrada de sentimentos confusos.

— Me diga a verdade. Porque eu estou sentindo isso tão forte no meu peito? Por quê? Você sabe o que está acontecendo? Me responde! — aperto levemente seus braços, mas ela não parece se importar.

Com um suspiro, ela diz o que eu tinha certeza que acabaria comigo no segundo seguinte.

— Eu sou um anjo.

— Eu sou um anjo

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