Quarto

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Saíndo do sobrado começamos a caminhar. A noite estava fria por isso coloquei uma jaqueta de couro que também fazia parte do uniforme da guarda. Pessoas olhavam para nós, alguns com medo outros com admiração. Chamamos essa região de Meio, aqui moram pessoas de classe média. Nem sempre elas vão com a nossa cara. As vezes eu até consigo entender. Eles só querem viver uma vida normal, obedecer as leis e cuidar de suas famílias. Mas esse pensamento comodista não muda os problemas da colônia.

Não demora nem dez minutos para Carlos sair da calçada e entrar numa parte da rua coberta de árvores e arbustos. Eu e Rodrigo nos entreolhamos e o seguimos. Carlos precisa cortar alguns galhos para conseguirmos passar porque a mata está bem fechada. No meio daquela floresta dou de cara com um carro que fazem meus olhos brilhar. Era um carro bem robusto de um azul metalizado, com detalhes pratiados e o brasão do império no capô.

Rodrigo praticamente correu para pegar o lugar do motorista. Mas Carlos entrou na frente.

- Pode tirando essa ideia da sua cabeça. Eu dirijo.

Tudo no carro era novinho e tinha um cheiro muito bom. Assim que eu fechei a porta senti meu nervosismo toma conta de mim. A paisagem era um tanto sombria. Havia poucas pessoas na rua, quase nenhum carro e as casas estavam fechadas. Poucas vezes eu havia andado num carro tão luxuoso, e eu amava sentir o vento no meu rosto, aquilo me tranquilizou e eu garanti para mim que tudo iria dar certo.

Estavamos em silêncio por isso me inclinei para frente e liguei o rádio. A música era um rock antigo, e a história que contava era tão triste que me fazia pensar que talvez a minha vida não fosse tão ruim assim.

- Ei Lena, agora não! Temos que nos concentrar.

- É assim que me concentro.

- Deixa Rodrigo, ninguém vai escutar mesmo. E eu também gosto dessa música- disse Carlos sorrindo pra mim pelo retrovisor e aumentando ainda mais o som

Parece que agora que está chegando a hora estamos mais compreensíveis uns com os outros. Já faz um tempo que conheço Carlos, desde antes de eu entrar para A Revolução, e ele sempre foi focado demais para ser compreensível.

Me afundo nos meus pensamentos e por um momento me sinto longe daquela situação. Pra mim só existia a música e a paisagem. Não havia guerra, não havia luta, e eu não estava indo para uma missão suicida.
Meu devaneio, porém, terminou com a mudança repentina da paisagem. A cidade aqui ficava mais bonita, haviam prédios pintados, mercearias, apartamentos e casinhas bem decoradas. As ruas eram melhor pavimentadas e o que mais me chamou atenção: a luz. Havia tanta luz! Televisores, outdoors, sinais de trânsito, relógios, postes de luz e alguns hologramas que faziam propaganda, mostravam a hora ou a temperatura. Eu estava encantada, até enxergar ao longe a Base da guarda. Carlos desligou o rádio e parou o carro em um beco escuro que ficava escondido entre dois grandes prédios comerciais. Depois nos deu minúsculos aparelhos, menores que um grão de arroz.

- São escutas enfiem dentro dos ouvidos,

- Lembre-se: qualquer erro e é fim de jogo. Siga o plano. E quando terminar mande o sinal.

Seguir o plano. Sem erros. Mandar o sinal. Até parece simples.

- Se pegarem você e não tiver como escapar use a pílula. Confio em você Lena.

- Confio em vocês também.

Esperava que o Rodrigo fosse dizer alguma coisa, mas não disse, então saí do carro e já estava caminhando para a escuridão da noite, quando escuto a porta do carro abrir e sinto alguém me segurar pelo braço.

- Nada de pílulas. Se pegarem você me mande um sinal que eu vou te buscar.

Escutei Carlos o chamar, mas Rodrigo ignorou.

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