O Lobo Dentro de Nós

I

     A porta se destrancou e Elena escutou passos vindo em direção ao seu quarto. Esse som tão familiar a despertou de seus devaneios. Sua mãe havia chegado em casa e talvez iria querer saber o porquê de não haver nenhuma refeição preparada em cima do fogão.
    A porta do quarto, antes entreaberta, foi escancarada e a figura de uma mulher invadiu sua visão. O rosto estava sem expressão, mas o corpo transmitia todo o cansaço resultante de um longo dia de trabalho. A mãe nada disse, mas a filha se ocupou em recebê-la com um meio sorriso e uma fala de boa noite.
    A mãe tentou sorrir, mas falhou. Logo seu rosto assumiu uma feição de questionamento: "Onde estava a filha mais velha?". Elena não sabia ao certo, tinha conhecimento apenas de que sua irmã havia saído para se encontrar com um grupo de colegas da escola que frequentava.
Ao ter conhecimento do paradeiro da filha, a mãe apenas assumiu uma feição indiferente e, sem citar a falta de jantar ou a fome que sentia, rumou para seu quarto, onde poderia dormir por 3 horas antes do próximo dia de trabalho.
    Era assim a vida de Elena. Sua responsabilidade era a casa, enquanto sua mãe cuidava para que não faltassem alimentos e sua irmã estudava para ser a próxima na função de trazer o sustento para a família. Do jeito que as coisas estavam, não iria demorar até que a irmã finalmente tomasse o posto destinado a seu futuro. A mãe parecia mais cansada e indiferente a cada dia.
    Naquele dia em particular não havia ocorrido nada de especial. Elena ficou em casa como sempre, fez suas obrigações e decidiu fazer um teste: será que sua mãe iria reclamar se ela não fizesse o jantar? Estavam ficando recorrentes as noites em que ela chegava em casa e ia direto para seu quarto, sem nem sequer olhar para o fogão. Dessa vez não foi diferente e Elena não se permitiu ficar preocupada com a situação. Em tempos como aquele as emoções precisavam ser escolhidas e sentidas com cautela. Preocupação não era uma das que Elena deveria se permitir sentir.