A "garota do banheiro" não foi a última vítima de um "ataque de raiva", como esperava Elena. Aquilo se tornou uma epidemia, uma febre, uma patologia desconhecida e aterrorizante para toda a população. Em uma semana, dois casos foram registrados, no final de um um mês, o número já havia se elevado para quarenta e três. O caos havia sido instaurado.
Os sintomas da "doença" eram facilmente reconhecíveis: as vítimas eram encontradas estranhamente transtornadas. Suas pupilas ficavam dilatadas. Suas veias saltavam para fora e pulsavam no compasso de seus corações. Suas peles se tornavam pálidas. Suas feições ficavam intensas, quase como se estivessem sentido a maior raiva de toda as suas vidas. E claro, havia os uivos. Todas elas pareciam uivar de forma agoniante antes de serem encontradas. Exatamente como lobos. Graças a esse fato, os "ataques de raiva" passaram a ser chamados de "síndrome do uivo".
Um inconfundível padrão começou a ser observado pelos médicos da região: a síndrome do uivo somente acometia os mais novos, desde crianças de dois anos até os jovens de vinte e um, sendo os adolescentes de quinze a maioria dentre as vítimas. Além disso, raramente a transformação ocorria na presença de um expectador. Dentre os quarenta e três afetados, apenas dois se tornaram "lobos" na frente de testemunhas.
Todas as vítimas eram levadas para a capital enquanto ainda estavam inconscientes, o que gerou uma quantidade considerável de famílias preocupadas com o destino de seus jovens filhos. Não havia previsão de retorno para aqueles que sofriam com a síndrome do uivo. Essa realidade fazia com que muitos pais decidissem encobrir sua prole quando esta apresentava os sintomas da síndrome. Alguns obtinham êxito em evitar que os mais novos fossem levados pelos médicos, já outros eram traídos por familiares próximos ou vizinhos que, preocupados com o bem-estar da comunidade e com a saúde do próprio jovem, denunciavam os acontecimentos às autoridades.
Assim, alguns casos encobertos começavam a aparecer, inimizades entre familiares e amigos cresciam e a ânsia por uma cura se tornava crescente. Outro detalhe era o fato de que as pessoas que encontravam uma vítima normalmente tinham que passar por um tratamento de reabilitação, necessidade causada pelo choque e pelo trauma da visão de um ser humano em um momento de fúria e insanidade.
Assim como o resto da sociedade, Elena se perguntava quanto e como a síndrome poderia afetar o bem-estar de sua família. Sua mãe não era o foco de sua preocupação, e sim sua irmã e ela mesma. As duas ainda eram jovens, ainda eram possíveis vítimas. Não que Elena considerasse seu lar como tradicional ou passível de preservação, mas a preocupava imaginar o que poderia acontecer caso a irmã fosse levada. As coisas ficariam complicadas, talvez ela tivesse que voltar a estudar, a mãe mudaria o jeito que a tratava e com certeza não seria para melhor. Do jeito que as coisas se encontravam, não demoraria muito para que Elena se tornasse órfã, passando, assim, a ficar sozinha e desamparada no mundo. Mas caso fosse ela, Elena, a vítima da síndrome, o que a preocupava era seu próprio bem-estar. Ninguém sabia o que acontecia com os que eram levados para a capital.
De qualquer forma, uma "cura" ainda estava longe de ser encontrada. Nem mesmo as causas eram conhecidas. Elena estava com medo.
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O Lobo Dentro de Nós
Fiksi UmumElena podia sentir o lobo uivando dentro dela. Algo natural nos tempos atuais. Suas veias pulsaram sob sua pele, sua pupila se dilatou, a adrenalina aumentou em seu organismo e uma sensação de paz e de liberdade a invadiu. Seu corpo permaneceu o mes...